André Santos estreia Embalo, um disco inspirado nas tradições madeirenses
Nasceu de uma série documental e autonomizou-se em disco. Embalo, tocado a guitarra eléctrica e rajão, é o novo álbum de André Santos e sai esta quarta-feira.
O guitarrista madeirense André Santos (Mano a Mano, Mutrama) lança esta quarta-feira um novo álbum em nome próprio, o seu terceiro, sucessor de Ponto de Partida (2013) e Vitamina D (2016). Chama-se Embalo, nasceu de uma série documental e foi gravado a solo, em guitarra eléctrica e rajão, à excepção de um tema cantado por Salvador Sobral. Gravado em apenas dois dias, 30 e 31 de Maio deste ano, está disponível nas plataformas digitais e também em CD, com ilustrações de Carla Cabral e design de Gito Lima.
A série que deu origem ao disco, À Volta da Mesa, foi realizada por Rui Dantas e retrata em sete episódios tradições gastronómicas, costumes e hábitos quotidianos na Madeira. No final de Novembro, foi exibido num cinema do Funchal um documentário-resumo da série. “Foi uma coisa excepcional, para apresentar às pessoas que colaboraram, e não só”, diz ao PÚBLICO André Santos. “Quando vi, fiquei mesmo emocionado, porque é uma coisa incrível ver as histórias daquelas mulheres, principalmente mulheres do campo.” As imagens do primeiro videoclipe nascido do disco, Veneno de Moriana, são da série.
“Originalmente são sete episódios e cada episódio tem uma música minha, sendo que na série há uma música extra, que não está no disco”, diz André. “Na verdade, a banda sonora do documentário é o disco.” Mas se a música nasceu do documentário, este também seguiu a música. “Na primeira composição, tive acesso ao episódio já montado e fiz a música. Depois foi ao contrário, fiz as músicas e eles diziam que, ao ouvirem-nas, imaginavam a senhora tal ou tal, e assim foram casando a música com a série.”
O disco abre e fecha com um tema chamado Jobim, primeiro apenas instrumental e depois cantado por Salvador Sobral. André explica porquê: “Gosto muito de vários compositores brasileiros, em especial do Jobim, e andava outra vez à volta de algumas canções dele. De repente, estava a improvisar à guitarra, surgiu-me uma ideia, fui desenvolvendo e percebi que o Jobim morava aí de alguma forma.” Mais tarde, de férias no Algarve, pegou numa gravação dessa música, onde tocava guitarra e cantarolava por cima, e enviou-a a um amigo, Salvador Sobral. “Mandei-lha com esta mensagem: ‘Vê lá se gostas desta música do Jobim’. E ele: ‘Uau, adoro! Tem letra?’ Respondi: ‘Não tem, mas podes pôr, porque a música é minha’. E assim ficou o título.” Salvador Sobral escreveu a letra, canta-a em voz síncrona com a melodia desenhada pela guitarra e é assim que o tema surge no disco.
Além de Jobim, tocado e cantado, Embalo tem mais cinco temas: Canção em sol, Embalo, Veneno de Moriana, Peça para rajão (tocada apenas com este cordofone madeirense, sem intervenção da guitarra) e Variações em dó. Todos os temas são da autoria de André Santos, excepto Veneno de Moriana, que é um tradicional madeirense. “Há alguns anos, quando fiz aquele projecto de música tradicional madeirense, o Mutrama [editado em disco em 2018] tive acesso a muitas recolhas da Associação Xarabanda, só que essa música acabou por ficar pendente. Ainda fiz uns ensaios com a banda, mas não deu em nada. Como é uma melodia de que gosto muito, comecei a explorá-la sozinho à guitarra.”
Ao ouvi-la, parece que escutamos, a par da guitarra eléctrica, um cordofone tradicional, mas na verdade é um som agudo produzido pela própria guitarra e gravado em loop. Um som quase misterioso, a jogar com a lenda que está na base do tema: “É a história de uma mulher apaixonada por um homem e este, passado algum tempo, vai lá a casa convidá-la para o casamento, mas com outra. Ela traz vinho para comemorarem, dá-lhe um copo envenenado e ele morre. A letra antiga acabava assim: ‘O Jorge já morreu, o Jorge já se acabou, Nem eu nem o Jorge nem a outra se gozou’. Ou seja: ‘se não é para mim, não é para ninguém’. É uma lenda que acho que também se canta em países sul-americanos.”
Já o título do disco tem uma justificação mais prosaica, porém literal e verdadeira. “Fui pai, fez no sábado passado um ano, e o embalo também vem daí. Muitas vezes embalava ao meu filho, ele adormecia e quem acordava era eu. E ficava com insónia. Foi numa dessas insónias que decidi que ia fazer este disco. Comecei a alinhavar as coisas e a pensar mais seriamente que não podia adiar mais, tinha de ser ‘agora’.” Com o disco nas lojas e nas plataformas digitais, fica a faltar uma apresentação ao vivo. Que ficará para 2023.