A selecção de Santos e os significados do verbo passar
A seleção Nacional e Fernando Santos regressam hoje à noite ao Uruguai do Mundial2018: jogam os oitavos com um adversário bom o bastante para os eliminar, mas não o suficiente para gerar qualquer tipo de compreensão, caso aconteça. A Suíça foi a primeira equipa a destratar o Portugal campeão europeu em jogos oficiais (2-0), e em circunstâncias curiosas. Ainda com a fama de imperatriz dos empates bem fresca, nesse dia, a seleção escapou ao controlo de Santos (como ele assumiu) e jogou para exibir ao mundo as suas habilidades, guiada pelo pé esquerdo de Bernardo. E mostrou que tem, pelo menos, habilidade para perder jogos em que parte como melhor equipa.
As habilidades da Suíça ficaram bastante claras na fase final do Euro2021. Eliminou a França nos penáltis, depois de um 3-3 nos 120’, e saiu eliminada a seguir pela Espanha também nos penáltis, depois de empatar 1-1. Para além disso, passou os últimos seis anos a jogar regularmente com Portugal, perdendo e ganhando. Dirão que não era a mesma equipa, que Fernando Santos ainda não recebera a visita do anjo Gabriel (Alves) a encarregá-lo de espalhar a mensagem do bom futebol e que, agora sim, esta é a seleção dos bem-aventurados que herdarão o reino do Telé Santana.
Daqui onde estou, a partir das quatro ou cinco dioptrias da minha ignorância, só vejo a diferença de mais umas dezenas de passes por jogo, a falta de Diogo Jota e um berbicacho com Ronaldo de que o selecionador pode, ou não, ter-se desviado. Mas eu não coleciono cromos e superei o Brasil do Mundial82 sem precisar de terapia, só com dois Ben-u-rons, porque só tinha onze anos. Sou portanto, basicamente, um néscio futebolístico, que simpatizando com Sócrates, Zico e Éder (o outro, aquele fraquinho) nunca diria que não a um café e meia Ponte com Platão, Tales de Mileto ou Heleno Herrera.
A frase “não gostei nada, não gostei mesmo nada”, dita pelo selecionador a propósito da rábula do coreano fantasma que tinha pressa em substituir Ronaldo (provavelmente, por outro coreano, o que seria bem visto, admitamos), só encaixa na conferência de antevisão de um jogo dos “oitavos” do Mundial se tiver algum grau de encenação. Santos sabe que não é momento para golpes de Estado, se calhar nem sequer é momento para decidir que outro avançado funcionaria melhor, porque jogar na posição de contrapeso dos humores de Ronaldo tende a arruinar os meniscos. Otávio de volta pode ser boa notícia que chegue, e um segundo olhar para Palhinha, alto e de pitons sempre impecavelmente afiados, talvez acautele a falta de jogadores verticalmente favorecidos no resto do onze. A Suíça está armada com vários, incluindo uma das melhores defesas do Mundial, e não tem medo de os usar.
Retornando ao tema das minhas dioptrias futebolísticas, o que vejo para hoje à noite (desfocado, estão avisados) é um meio-campo suíço de elite, dirigido por Granit Xhaka (que em part-time é comandante-em-chefe das Forças Armadas do Kosovo) e varrido por Freuler. Os magos portugueses não farão deles o que querem, como não fizeram os espanhóis, nem os franceses. Pede-se paciência, eficácia e atenção aos azarados que os suíços têm mais lá para a frente, apesar da evidência de nenhum ter nascido com uma onça do talento que qualquer português desta equipa deixa na sanita ao acordar. O atacante Embolo corre qualquer coisita, há um certo Vargas que troca as pernas sozinho e às vezes engana o lateral, e outro miliciano kosovar, chamado Shaqiri (de 30 anos, uma relíquia geriátrica, portanto) que tem fama de ilusionista, mas acho que é confusão com um ator d’O Senhor dos Anéis. Nada de preocupante. Passem é a bola. Muito.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico