Agricultores receiam que barragem do Pisão deixe a do Maranhão à míngua de água
Associação de Regantes do Vale do Sorraia espera que a construção da barragem do Pisão não venha a sobrepor novos interesses sobre direitos adquiridos na barragem do Maranhão.
Na ribeira de Seda, que integra a bacia hidrográfica do Tejo, foi construída em 1958 a barragem do Maranhão, com capacidade para armazenar 205 hectómetros cúbicos (hm3) de afluências. Até 2025, e na mesma linha de água, entrará em funcionamento a barragem do Pisão, com capacidade para reter 116 hm3 e cobrir uma área com 725 hectares. Mas a instalação do novo empreendimento hidroagrícola levanta preocupações e dúvidas à Associação de Regantes e Beneficiários do Vale do Sorraia (ARBVS) pelo impacto que possa vir a ter na estrutura de rega actualmente existente.
Na posição que tomou sobre o conteúdo da Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável condicionada do Empreendimento de Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Crato (EAHFMC), baseado na barragem do Pisão, a associação de regantes recorda as orientações de um relatório publicado em Julho de 2000 sobre os estudos da 1.ª fase do Plano de Bacia Hidrográfica do Rio Tejo.
Nesse documento, destacava-se a inconveniência de futuros aproveitamentos hidráulicos a licenciar a montante das albufeiras das barragens do Maranhão e Montargil, afirmando que, “(…) na prossecução do desenvolvimento sustentável, não deverão ser licenciados, incondicionalmente, novos aproveitamentos nestas bacias hidrográficas, devendo a entidade licenciadora impor restrições ao regime de utilização da água, no caso de novos licenciamentos (…)”.
A advertência não surtiu efeito. A 1 de Setembro, o Conselho de Ministros emitiu o Título Único Ambiental (TEU) com a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável condicionada do EAHFMC, classificando-o como “empreendimento de interesse público nacional”.
Ao pronunciar-se sobre este projecto, a ARBVS considerou que o empreendimento terá “impactos significativos nas afluências” à albufeira do Maranhão, levando a uma quebra de um volume de caudal que pode variar entre os 50 e os 72 hm3 anuais.
A perda de volume nas disponibilidades hídricas alertou esta organização para a necessidade de salvaguardar as afluências que estão concessionadas aos regantes, de forma a que “novos interesses não venham sobrepor-se a direitos adquiridos”. A conclusão dos estudos apresentados no TEU é encarada “com preocupação” pela ARBVS. O documento garante que a instalação de um reservatório a montante da barragem do Pisão “não tem praticamente impactos ao nível da garantia de água a jusante”. No entanto, para a associação de regantes, esta questão necessita de ser “aprofundada, esclarecida e a sua gestão discutida, participada e regulamentada”.
A sua preocupação concentra-se nos usos e direitos a atribuir, que “não parecem salvaguardar as necessidades nem os compromissos dos actuais usos agrícolas de jusante”, salienta a ARBVS. Esta organização pretende que seja garantido “o volume atribuído para utilização a partir do reservatório do Maranhão de 99 hm3, acrescido das perdas de transporte e evaporação”. A título de exemplo, salienta que a albufeira do Maranhão registou em 2021 um nível de evaporação no espelho de água de 1424 mm, enquanto a precipitação atmosférica ficou pelos 599 mm.
Mais recentemente, a 7 de Novembro, o Boletim Semanal de Albufeiras, publicado pela Agência Portuguesa do Ambiente, informava que a barragem do Maranhão armazenava 37 hm3 (18%), quando a sua capacidade total é de 205 hm3. A sua reserva de água estava muito próxima do volume morto, que se situa nos 24,5 hm3, ou seja, perto do nível em que já não há captação, o que tem como consequência uma fraca qualidade do recurso. Desde aí, houve uma ligeira recuperação, mas não a suficiente para ultrapassar os 20% de armazenamento potencial.
A par da questão relacionada com os direitos adquiridos pelos regantes no acesso à água da barragem do Maranhão, a ARBVS reclama uma decisão “prioritária e imediata” sobre os usos precários do regolfo da albufeira. Os agricultores precários têm as suas explorações na periferia dos blocos de rega.
Nos documentos do TEU que foram apresentados na discussão pública, esta situação “é adiada para uma fase posterior de exploração”. A decisão é considerada pelos regantes “inexplicável”, por não se regularizarem as situações destes agricultores que, na campanha de 2021, regaram 4280 hectares, dos quais 3970 hectares de culturas permanentes (sobretudo olival e amendoal).
O Estudo de Impacte Ambiental (EIA) elaborado para o projecto do AHFMC antecipa que, no Alto Alentejo, haverá aumentos nos valores médios mensais da temperatura do ar nos meses de Inverno e, nos meses de Verão, poderão ser superiores aos já registados actualmente. Estes dados “configuram um aumento na amplitude térmica anual (...)”, ao mesmo tempo que a precipitação atmosférica “tenderá a diminuir”, salienta o EIA, sugerindo “uma maior reflexão e ponderação” sobre a construção da barragem do Pisão.