Exodus: cinco voltas ao mundo a partir de Aveiro
Foi um fim-de-semana intenso, repleto de histórias e imagens impactantes. O Exodus Aveiro Fest voltou a celebrar a fotografia e os vídeos de viagens e aventura. Uma certeza: regressa em 2023.
“Contribuir para uma maior consciência do mundo e fomentar o respeito pela natureza e pela condição humana.” Eis o mote lançado para a 5.ª edição do Exodus Aveiro Fest, que decorreu de sexta a domingo, no Centro de Congressos de Aveiro.
Pelo festival internacional de fotografia e vídeo de viagem e aventura passaram onze oradores de renome internacional, começando com uma palestra, gratuita, na sexta-feira, com Rick Smolan (com uma longa carreira de trabalhos fotográficos pelo mundo em revistas como a Time e National Geographic). Entre outros, subiram ao palco o fotógrafo documental José Sarmento Matos, Ragnar Axelsson, que fotografa regiões remotas, nomeadamente o Árctico ao logo de 40 anos, e Pippa Ehrilch, autora e directora do celebrizado documentário “A Sabedoria do Polvo”.
A estes juntaram-se ainda os “Exodus Talents” – os fotógrafos Matilde Fieschi, Jacinto Policarpo, Luís Godinho e Luísa Ferreira. Aqui, destacamos cinco momentos, cinco nomes do festival, que já tem regresso assegurado para Novembro de 2023.
A vida selvagem e os retratos nocturnos de Art Wolfe
Duas viagens numa só palestra. O fotógrafo americano Art Wolfe começou por brindar a assistência do Exodus com uma incursão pelo seu Night on Earth, livro publicado em 2021 e no qual apresenta uma fantástica colecção de imagens captadas nos mais variados pontos do globo depois de o Sol se pôr – e enquanto muitos de nós dormimos. Um outro olhar sobre as montanhas geladas do Evereste, as auroras boreais da Noruega, a erupção do vulcão Etna (Itália), os moai da Ilha de Páscoa, ou o grande Monte Rainier (Washington, Estados Unidos da América), entre tantos outros pontos de interesse. “É sempre acerca da beleza do planeta”, reforçava o fotógrafo, enquanto ia apresentando algumas das imagens que integram Night on Earth e entre as quais se incluem também vários registos de vida selvagem e de cultura. Desde os festivais de fogo no Japão às cerimónias no rio Ganges (Índia), passando pelas colónias de pinguins da Patagónia ou os leões de África, são muitas as paisagens e rituais que parecem ganhar ainda mais beleza sob a escuridão da noite.
E porque uma surpresa nunca vem só, Art Wolfe aproveitou a sua passagem por Aveiro para levantar a ponta do véu sobre o seu mais recente projecto, o livro Wild Lives, que será publicado em 2023. Mais uma extraordinária viagem a vários pontos do mundo, desta vez centrada na vida selvagem e em todos aqueles que a protagonizam, desde os ursos polares às baleias azuis, orcas, macacos, jaguares, entre tantos outros. “Tenho tido uma vida fantástica, eu e a minha equipa, pela vida selvagem que temos conseguido ver e fotografar”, avaliava, já quase em jeito de despedida.
Considerado uma “lenda da Canon”, Art Wolfe foi o anfitrião da premiada série de televisão internacional Art Wolfe’s Travels to the Edge, que oferece conhecimentos sobre a natureza, cultura, e o reino da fotografia digital – continua a ser difundida em todo o mundo – e já lançou mais de 100 livros.
As arriscadas fugas da Somália e do Iémen por Alixandra Fazzina
Quanto pode custar uma viagem para fugir da guerra? A própria vida, alertou a autora e fotógrafa Alixandra Fazzina, que tem centrado atenções em conflitos pouco relatados e nas consequências humanitárias frequentemente esquecidas da guerra. A autora do livro A Million Shillings; Escape from Somalia, seguiu a viagem, muitas vezes mortal, dos refugiados somalis a partir do Corno de África, captando imagens e relatos que são um verdadeiro murro no estômago. “Não se sabe quantas pessoas morrem a fazer esta viagem. A minha estimativa, contando os que partem e os que chegam, é que morra uma em cada 20 pessoas”, alertou.
Alixandra Fazzina andou pelos pontos de partida destas verdadeiras rotas de contrabando de pessoas, testemunhou as largadas dos barcos apinhados de gente – “são barcos pequenos, mas cada um leva cerca de 140 pessoas”, fez questão de notar –, assim como as chegadas ao Iémen, testemunhando, várias vezes, o mais duro dos cenários: cadáveres ao longo do areal. E mesmo aqueles que conseguem chegar a salvo, adverte, “chegam doentes, desidratados, com fome”, na certeza de que muitos acabam por ver as suas expectativas goradas. “Vão à procura de uma vida melhor, mas não a encontram. Alguns até acabam por ser traficados”, denuncia.
A autora, que foi reconhecida como vencedora do Prémio do ACNUR Nansen Refugiados (distinção atribuída pelo Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), anunciou estar a preparar um novo livro. Já lá vão dez anos desde que A Million Shillings; Escape from Somalia foi publicado, “e muita coisa mudou durante este tempo”, nomeadamente por conta da guerra no Iémen. “Muitas pessoas voltaram à Somália e há também gente do Iémen a fugir. Mas também vi gente a sair da Somália, sem saberem da guerra”, adverte.
Os parques americanos e as portas de Andy Best
Podia ser um criativo igual a tantos outros, com trabalhos feitos para gigantes como a Nike, Adidas ou a Google, e embalado por uma infância passada de volta de uma avó pintora e um pai e avô fotógrafos. Mas há já alguns anos que Andy Best decidiu fazer da sua carrinha casa, acompanhado da mulher e das duas filhas. “É espectacular levar a minha família nestes projectos”, destacou, já depois de ter evidenciado a quantidade de “experiências, locais incríveis, pessoas e memórias”, que está a proporcionar às filhas.
O aventureiro, fotógrafo e realizador continua a dar seguimento à sua carreira, instalando o seu pequeno “escritório” no meio de desertos, montanhas ou à beira da praia. “Viajar ajuda-me a ser mais criativo, a querer estudar mais”, testemunhou o colaborador da National Geographic que tem, neste momento, vários projectos em mãos. Um deles prende-se com astrofotografia, revelou, ao mesmo tempo que partilhava com o público algumas imagens captadas no Canadá e também na Califórnia. “O que mais me fascina é que o céu está sempre a mudar, só consegues apanhar algumas imagens em determinada altura do ano”, avaliou.
Nos últimos tempos, Andy Best tem também andado com os olhos e a câmara apontadas às portas que vai encontrando por esse mundo fora. “Não sei por que comecei isto, mas estou viciado”, confessou. Não menos importante é o seu projecto dedicado aos parques nacionais dos Estados Unidos da América (Parks Project), especialmente depois de ter passado o último Verão, juntamente com a família, a conhecer os parques do Alasca.
As paisagens e o pulsar da vida no Tibete por Michael Yamashita
Inspirado pelo livro e filme Lost Horizon, cujo enredo está relacionado com a origem do mito da cidade de Shangri-La, o fotógrafo Michael Yamashita decidiu partir à procura do seu próprio paraíso fotográfico. Rumou ao Tibete para retratar as suas paisagens, a sua cultura e o seu povo. Aquele que é conhecido como um dos principais influenciadores da fotografia – tem mais de 1,8 milhões de seguidores no Instagram e fotografa para a National Geographic há 40 anos – trouxe até ao Exodus retratos de uma montanha nunca antes escalada (o monte Kailas, considerado um local sagrado), da Estrada dos Cavalos e do Chá, que já foi a principal ligação entre a China e o Tibete, dos nómadas, dos iaques e das paisagens.
“São as pessoas mais religiosas que conheço”, notou, em complemento às fotografias alusivas às bandeiras tibetanas de oração e ao povo a rezar. Michael Yamashita também captou a importância que os tibetanos atribuem ao chá, nomeadamente nos mosteiros onde os monges “chegam a beber 30 a 40 chávenas de chá por dia”, com essa especificidade de lhe adicionarem manteiga (feita a partir do leite dos iaques).
Outro conjunto de retratos trazido para o palco do Centro Cultural de Aveiro centrava-se na apanha e preparação do yarsagumba, fungo que cresce na região dos Himalaias e que já é considerado “a erva medicinal mais cara do mundo”. “Chamam-lhe o Viagra da China, mas os seus efeitos vão para além disso”, notou Michael Yamashita, que acompanhou os nómadas a apanharem o famoso fungo nos campos. Para terminar esta incursão no Tibete, ficaram as imagens da sua capital, Lhasa, e do imponente Palácio de Potala.
A especialidade de Yamashita, note-se, tem sido a de refazer os caminhos de viajantes famosos como Marco Polo e o explorador chinês Zheng He, ao longo das suas rotas históricas. Juntamente com dois filmes documentários, já produziu 13 livros, sobre temas tão diversos como os jardins japoneses e Shangri-la.
Dos call centers da Índia e Filipinas ao bairro da Jamaica por José Sarmento Matos
O fotógrafo português José Sarmento Matos levou até Aveiro realidades tão distintas como as dos call centers da Índia e Filipinas, o regresso daqueles que emigraram para a Venezuela à ilha da Madeira, e a comunidade do bairro da Jamaica, no Seixal – este último projecto resultou um filme exibido no Doc Lisboa 2021 e uma exposição no MAAT.
O fotógrafo documental que está radicado em Londres e iniciou a sua incursão no fotojornalismo no PÚBLICO, começou por apresentar esse projecto nascido da sua própria experiência. Depois de ter trabalhado num call center, José Sarmento Matos ficou com vontade de documentar este “trabalho fundamental”, feito à distância, sem vermos os rostos dos interlocutores. Viajou até à Índia e às Filipinas por serem os países onde esta indústria tem maior peso e decidiu mostrar “a vida destas pessoas para além dos call centers”, frisou.
Pelo ecrã do Centro de Congressos de Aveiro passaram, ainda, as imagens do projecto Where Do I Belong? Abandoning the Venezuelan Dream, no qual o fotógrafo português acompanhou o regresso da família Aguiar à ilha da Madeira, fugindo de uma Venezuela que já pouco tinha a ver com o país para o qual tinha emigrado. José Sarmento Matos viajou até à Venezuela, acompanhando o casamento de Carla e Josué, pouco antes de tratarem dos papéis para virem para Portugal, e retratando a realidade que os levava a querer fugir: as prateleiras vazias nos supermercados. Um projecto que lhe valeu, em 2020, o prémio Estação Imagem.
Para fechar a sua intervenção, projectou algumas das fotografias captadas no âmbito do projecto Jamaika, que contou com a colaboração dos moradores do bairro e do músico Kid Robinn. Imagens de uma realidade que ainda não passou, infelizmente, à história. Há ainda 700 pessoas a viverem em condições bastante precárias, à espera de serem realojadas.