Avaliação de Aprendizagens, um estudo de referência
O prazer de ler de um aluno jamais será captado pela lente de um sistema de classificação que obriga à formulação de um juízo de valor e à sua inserção numa determinada escala.
Diz-se, por norma ou também através de perceções, que os mais diferentes atores educativos sustentam que o sistema educativo português, possivelmente semelhante a outros, fragmenta e autonomiza, como peças que não encaixam na construção correta de um puzzle, a avaliação do desempenho docente, a avaliação pedagógica e a avaliação institucional das escolas.
Por mais completo que seja cada um dos modelos, tanto ao nível teórico-conceptual quanto no plano da prática, há uma desarticulação evidente nas três avaliações referidas, pois a parte tem sido mais importante que o todo.
Por exemplo, e recorrendo a uma situação extrema, se a qualidade (esse conceito vago, polissémico e portador de visões muito díspares) dos resultados dos alunos fosse um fator a considerar na avaliação do desempenho docente, o que acontece em sistemas educativos competitivos, a polémica seria mais que evidente, fluindo, no rio das opiniões educativas, as ideias mais contraditórias.
Ainda uma outra questão, embora esta mais real, porque já foi implementada num determinado período da avaliação instrucional das escolas, como se justifica a ideia de que as classificações atribuídas a uma dada escola (no sentido mais geral do Agrupamento) nos domínios Prestação do Serviço Educativo, Organização e Gestão Escolar e Liderança, entre outros, estejam diretamente dependentes da classificação obtida no domínio Resultados?
Apesar da dificuldade de se estabelecer uma certa correspondência ao nível das “três avaliações”, será expetável que exista uma interrelação das várias avaliações que ocorrem numa escola, tendo em vista uma perspetiva holística e integrada quer do sucesso dos alunos, quer da melhoria organizacional, curricular e pedagógica da escola.
Uma escola estará sempre dependente da avaliação dos alunos ou da avaliação pedagógica, já que resulta do binómio ensino/aprendizagem, por mais inovação que exista na criação de novos ambientes do aprender, no qual se deveria incluir também o estudo como fruição desnormalizada de uma aprendizagem. O prazer de ler de um aluno jamais será captado pela lente de um sistema de classificação que obriga à formulação de um juízo de valor e à sua inserção numa determinada escala.
Vem a este propósito, o estudo sobre “Indicadores, modelos e experiências de monitorização e avaliação de aprendizagens e de desenvolvimento das crianças e jovens dos 3 aos 18 anos”, lançado, em finais de novembro de 2022, pela Fundação Calouste Gulbenkian, e coordenado pelo Professor Júlio Pedrosa, ex-ministro da Educação.
Trata-se de um estudo que faz o mapeamento da pesquisa em avaliação pedagógica, explorando quadros téorico-conceptuais, analisando o contributo de organizações transnacionais (OCDE, UNESCO, OEI) e da União Europeia, sobretudo dos relatórios elaborados pela Eurydice, descrevendo dez estudos de caso (representando países da Europa, da América do Norte, da América do Sul e da Ásia), focando um estudo empírico (análise documental e entrevistas) e, por último, apresentando dez recomendações ao nível da ação política, da ação institucional, da ação pedagógica e da investigação.
Embora qualquer estado da arte seja sempre incompleto, e apesar de qualquer análise das “avaliações” existentes num sistema educativo poder salientar determinados aspetos em detrimento de outros, este estudo representa um enorme contributo para uma discussão sobre a denominada avaliação de aprendizagens.
Sendo certo que o campo da avaliação teve os seus principais teóricos a partir da segunda metade do século XX, consagrando conceitos que ainda hoje em dia são usados, o grande problema tem sido o das práticas de avaliação, cavando-se, cada vez mais, o fosso entre o modo de pensar e o modo de fazer.
A avaliação de aprendizagens encerra, indelevelmente, a combinação de diferentes procedimentos de avaliação, a que correspondem distintos critérios e indicadores de desempenho, mais ainda quando a avaliação deve ser pautada pelo perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória, de acordo com as atuais políticas educativas, em Portugal.
O ato de formulação de juízos de valor em meio escolar pressupõe que o docente avalie sumativa e formativamente os alunos, tendo em consideração que o fim último da avaliação pedagógica se inscreve numa dimensão humana, mesmo que a classificação seja usada nas escolas como forma de identificação de uma dada distribuição normativa, que compara, seria e certifica.
Se a avaliação formativa existe, no plano normativo, desde 1992, para o ensino básico, e mais tarde para o ensino secundário, a avaliação sumativa faz parte dos pilares da escola, tornando mais robusto e sólido o indicador dos resultados escolares académicos.
E aqui reside a dificuldade em mudar práticas de avaliação, não só porque estão inscritas na mentalidade de alunos, docentes e pais, como também definem as regras formais e informais das escolas que dão forma e sentido à gramática da avaliação pedagógica.
Não sendo inconciliáveis, como se expressassem uma dicotomia inultrapassável, é indispensável atribuir mais espaço à avaliação formativa, sem descurar a potencialidade da avaliação sumativa, como o estudo citado recomenda, através de novos olhares que resultam de políticas educativas orientadas para a inclusão, a equidade e a justiça social, já que a meritocracia não pode ser a meta principal a atingir na escolaridade obrigatória.
O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990