Regulador recomenda que bancos sejam mais prudentes na concessão de crédito
Os riscos para a estabilidade financeira agravaram-se e o Banco de Portugal recomenda maior prudência às instituições financeiras na hora de conceder crédito.
O cenário de inflação “elevada e persistente", aumento “abrupto” das taxas de juro e deterioração das perspectivas para a evolução da economia está a fazer aumentar os riscos para a estabilidade financeira, e o regulador quer que os bancos, que garante serem “resilientes”, sejam mais restritivos na hora de conceder crédito, adequando as condições dos empréstimos ao contexto actual e ajustando os níveis de provisões para acomodar potenciais perdas.
O aviso é deixado no mais recente Relatório de Estabilidade Financeira, publicado esta quarta-feira pelo Banco de Portugal (BdP). “A conjuntura económica é caracterizada por inflação elevada e mais persistente, aumento abrupto das taxas de juro e deterioração das perspectivas para a actividade económica. Estes factores interagem com vulnerabilidades pré-existentes, não obstante o ajustamento financeiro das famílias, das empresas e das administrações públicas no período pós-crise de dívida soberana”, pode ler-se no documento.
Em concreto, destaca o BdP, “as pressões inflacionistas consolidaram-se, alastrando dos preços da energia e dos alimentos para todo o espectro de bens e serviços”. Isso mesmo, mostram os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE), de acordo com os quais a taxa inflação homóloga superou os 10% no mês de Outubro, o nível mais elevado em mais de 30 anos. Mais de metade desta subida é explicada pelo aumento dos preços do gás natural, que aumentaram mais de 77% nesse mês, mas também nos alimentos se regista uma escalada dos preços, com uma inflação superior a 18% neste tipo de produtos.
Foi esta trajectória que levou os principais bancos centrais a subir as taxas de juro de referência, um processo que o BdP admite que irá prolongar-se nos próximos tempos. “Apesar de as taxas de juro se manterem ainda em níveis contidos, o carácter abrupto do processo de normalização de política monetária, sem paralelo histórico recente, é especialmente relevante, em particular por coincidir com a degradação das perspectivas para a actividade económica”. Desde Junho, recorde-se, que o Banco Central Europeu (BCE) tem vindo a aumentar sucessivamente as taxas de juro da zona euro, com a taxa de juro de refinanciamento do BCE (aquela a que o banco central empresta dinheiro aos bancos de retalho no curto prazo) a fixar-se já em 2%, enquanto a taxa de juro de depósito (aquela que os bancos comerciais pagam para depositar no banco central) está em 1,5%.
Assim, reconhece o regulador, “os riscos para a estabilidade financeira aumentaram desde a última edição deste relatório”. Ainda assim, ressalva, “a resiliência do sector financeiro contribuirá para a preservação da estabilidade financeira”.
São vários os riscos apontados pelo BdP. Desde logo, existe a possibilidade de ser feita “uma reavaliação adicional de prémios de risco”, o que levaria a uma “desvalorização das carteiras de activos” e a um aumento dos custos de financiamento de mercado para novas emissões”. A isto, acrescem riscos como “a deterioração da situação financeira” das famílias e das empresas, bem como uma “maior dificuldade em assegurar a redução prevista do rácio de endividamento público”, ou, ainda, a possível redução dos preços da habitação. Este último é, para já, um risco que não se materializa, tendo em conta a subida de preços neste sector que continua a registar-se. Contudo, este risco pode vir a verificar-se se a redução do rendimento disponível das famílias levar a uma queda abrupta da procura, o que também poderia afectar o valor das carteiras de activos da banca.
É neste contexto que o BdP deixa duas recomendações à banca: por um lado, as instituições financeiras devem restringir a concessão de crédito; por outro, devem proteger melhor aquele que já foi concedido. Isto porque, admite o regulador, existe, para o sector bancário, “a materialização acrescida dos riscos de mercado e de crédito”. Essa materialização, acrescenta o BdP, “dependerá, em grande medida, da evolução da economia e da taxa de desemprego, do ritmo de subida das taxas de juro e das medidas de apoio adoptadas”.
Seja como for, o cenário exige prudência. “O contexto realça a importância de o sector adoptar uma abordagem proactiva na avaliação da capacidade de pagamento dos seus clientes e adequar as condições dos empréstimos face a eventuais dificuldades dos mesmos; e seguir práticas adequadas de provisionamento e de conservação de capital, promovendo a capacidade para absorver eventuais perdas e financiar a economia”, refere o relatório.
O BdP lembra, ainda, que a “a complexidade da situação actual e a materialidade dos riscos que estão associados justificaram um alerta do Comité Europeu de Risco Sistémico em Setembro, advertindo para a necessidade de preservar ou reforçar a resiliência do sistema financeiro, mensagem reiterada pelo BCE no início de Novembro”. Por cá, o BdP “manterá uma monitorização contínua da resiliência do sistema financeiro e dos mutuários, perante o agravamento das condições reais e nominais da economia, incluindo das condições monetárias e financeiras que decorrem da normalização da política monetária”.