Julia Roberts, Sean Penn, Watergate. É preciso dizer mais?
A mini-série Gaslit estreia-se terça-feira no canal TVCine Emotion para mostrar um outro lado do caso Watergate. Uma série que, para variar, estará mesmo num televisor.
Gaslit, uma “série de prestígio” vai dar na televisão. Pode parecer uma informação redundante, mas Gaslit, uma série protagonizada por Julia Roberts e Sean Penn sobre o caso Watergate vai passar num canal de televisão linear, no cabo, uma vez por semana à hora marcada.
O facto de esta ser uma “série de prestígio” com estes nomes envolvidos e não estar numa plataforma de streaming, ou num serviço on demand associado a um canal premium dos EUA, é uma das coisas que é preciso dizer mais sobre Gaslit. Isto apesar de, após a sua estreia, os episódios ficarem disponíveis no TVCine+. A outra é que, posto isto, foi bem recebida mas não é de todo unânime. “Gravem já o nome de Julia Roberts numa estatueta do Emmy”, mandou Peter Travers na ABC. “É uma série bem-parecida sobre uma sensibilidade americana particularmente feia”, postulou Ben Travers no IndieWire. “É intermitentemente envolvente, mas nunca verdadeiramente sensacional”, lamenta Richard Lawson na Vanity Fair. “Existe para chamar atenção para si mesma mas tem pouco para dizer”, arrasa Inkoo Kang no Washington Post. Em que ficamos?
“Ela tinha razão” é a frase promocional associada à série do canal norte-americano Starz que o português TVCine Emotion estreia terça-feira às 22h10. Cerca de meio ano depois de se ter estreado nos EUA, Gaslit não precisa de muito para convencer o espectador assoberbado a picar esta nova série – tem dois dos maiores actores da sua geração, versa sobre o típico tema “sério” que uma equipa deste calibre equipara a “série de qualidade” e é agradável à vista. Uma festa de amarelo-torrado quando se foca em Martha Mitchell, a soalheira personagem de Julia Roberts que é uma das figuras menos conhecidas de um dos escândalos políticos mais infames da história contemporânea.
Prestígios, pedigrees e políticas à parte, Gaslit é então uma série baseada num popular podcast, Slow Burn, centrado precisamente na “Mouth of the South”, a comunicativa Martha, mulher do Procurador-Geral dos EUA e, por conseguinte, parte do establishment do Presidente Richard Nixon. Só que não. Aflito perante a difícil reeleição num país em mudança, infectado pela guerra do Vietname e empurrado para a modernidade pela contracultura, o manifestamente paranóico Nixon escolheu John Mitchell como presidente da sua campanha. Ao seu lado estava, infelizmente para os mais misóginos, a opinativa e dificilmente intimidável Martha, que falava contra a guerra, telefonava a jornalistas para lhes dizer o que pensava sobre Nixon e que tinha uma relação inflamável com o marido.
Penn, sob uma camada de caracterização considerável, e Roberts são os cabecilhas desta operação televisiva, mas há um ror de actores de composição ao dispor do criador da série Robbie Pickering e do seu produtor executivo Sam Esmail (Mr. Robot) que completam Gaslit: Shea Whigham é hipnótico como G. Gordon Liddy, Betty Gilpin palpita de tão feliz que está numa festa cheia de pessoas horríveis e Dan Stevens, Hamish Linklater ou Nat Faxon completam o ramalhete.
O resto é história e bem conhecida: homens ligados a Nixon põem escutas no edifício Watergate onde estava a sede dos Democratas em Junho de 1972, são presos e o caso agrava-se até à demissão de Nixon. Contudo, Gaslit não é sobre a investigação jornalística de Woodward e Bernstein que tudo pôs a descoberto nem sobre a operação em si. É sobre esse inconveniente chamado Martha e sobre as tricas reais dentro da equipa de Nixon, sobre dois casais e os cruzamentos entre a mais real política e as relações amorosas.
São oito episódios realizados por Matt Ross em que o primeiro é como um isco e o segundo a corda que puxa com força para o fundo – em que se pode pensar um bocadinho mais do que só em crimes políticos. “‘Pós-verdade’ pode ter sido considerada a palavra do ano em 2016, mas Gaslit defende que vivemos há décadas numa era a-histórica, senão há muito, muito mais tempo”, como lembra o crítico Ben Travers no IndieWire, em que as “guerras culturais” são ferrenhas e as acusações são lançadas como socos (“fascista”, “histérica”).