“Inaceitáveis”. IL, BE e Livre criticam declarações de Marcelo sobre Qatar
Iniciativa Liberal, BE e Livre criticam Marcelo Rebelo de Sousa, que desvalorizou a violação dos direitos humanos no país que acolhe o Mundial 2022
As recentes declarações do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sobre a violação de direitos humanos no Qatar e a realização do Mundial de futebol provocaram indignação entre os partidos políticos, desde a Iniciativa Liberal ao Bloco de Esquerda. PS e PSD estão, por enquanto, em silêncio.
A coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, apelou ao Presidente da República para não ir ao Qatar, declarando que “não se pode esquecer” as condições dos trabalhadores que montaram as estruturas do evento e as mortes ali ocorridas. “Não podemos esquecer as condições dos trabalhadores”, afirmou Catarina Martins, citada pela Lusa, quando questionada à porta do Hospital de São José, em Lisboa, pelos jornalistas sobre as declarações proferidas pelo Presidente da República nesta quinta-feira.
Depois do jogo entre Portugal e a Nigéria, Marcelo Rebelo de Sousa disse que “o Qatar não respeita os direitos humanos”, mas que vai assistir ao Portugal-Gana, em 24 de Novembro. “O Qatar não respeita os direitos humanos. Toda a construção dos estádios e tal..., mas, enfim, esqueçamos isto. É criticável, mas concentremo-nos na equipa. Começámos muito bem e terminámos em cheio”, disse o Presidente, após a vitória de Portugal. Perante as declarações de Marcelo Rebelo de Sousa, Catarina Martins lembrou que durante a construção das estruturas que vão receber o Mundial de Futebol mais de 6500 pessoas morreram.
Esta manhã, o grupo parlamentar do BE divulgou também um projecto de resolução em que propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que “não se faça representar no Mundial de Futebol de 2022 e condene publicamente as inúmeras e reiteradas violações dos direitos humanos no Qatar, incluindo no processo de preparação deste campeonato”.
Os deputados e deputadas do Bloco propõem também à Assembleia da República que “condene publicamente as inúmeras e reiteradas violações dos direitos humanos no Qatar e repudie a discriminação das mulheres, a perseguição das minorias e dos opositores políticos, a exploração laboral e os maus tratos a trabalhadores migrantes perpetrados no processo de preparação do campeonato, não se fazendo representar no Mundial de futebol de 2022”.
O projecto de resolução do Bloco refere que “o Mundial de futebol de 2022 está a ser usado para legitimar um regime de monarquia absolutista, onde o privilégio de uma elite minoritária se sobrepõe aos direitos humanos. Mas a escolha do Qatar para acolher o Mundial reveste-se ainda de muitas outras situações escandalosas a que não se pode fechar os olhos”. O BE alude às “suspeitas de corrupção na atribuição do Mundial a esta ‘petromonarquia’, que fez com que uma parte considerável dos membros do comité executivo da FIFA acabem suspensos ou alvos de inquérito”.
“O trabalho forçado, a discriminação e a violência do género, a perseguição e prisão de pessoas em função da sua orientação sexual, a censura e absolutismo são violações grosseiras da liberdade e dos mais elementares direitos e não são compatíveis com os valores do desporto e, em concreto, do futebol”.
“Não é aceitável que se fique em silêncio diante de um regime onde às mulheres são negados os direitos mais básicos, onde têm de pedir aos seus tutores masculinos autorização para trabalhar em empregos públicos, para casar, para estudar no estrangeiro (…) ou para viajar para o estrangeiro até aos 25 anos”, acrescenta o projecto de resolução do Bloco, que acrescenta: “Os responsáveis políticos dos países defensores dos direitos humanos não devem tratar o campeonato Mundial de futebol com um estado de excepção em que, de repente, são toleradas as mais chocantes violações”.
No mesmo sentido, também Rui Tavares, deputado do Livre, propõe à Assembleia da República para que delibere recomendar ao Governo que “não se faça representar no Mundial 2022” e que “condene com veemência as violações dos direitos humanos que ocorreram no Qatar, em particular as cometidas no âmbito da organização do Mundial” de futebol.
Através de um projecto de resolução entregue ao Parlamento na segunda-feira, antes das declarações do Presidente da República, o deputado Rui Tavares propõe à Assembleia da República que não se faça representar no evento e defende que seja enviada uma mensagem à Federação Portuguesa de Futebol a “instar a FPF a tomar uma posição pública contra o historial de violação de direitos humanos no Qatar, no âmbito da realização do Mundial 2022”.
No projecto de resolução, o Livre refere-se ao Qatar como um país governado por uma “monarquia formalmente constitucional, mas na prática absolutista (…)” e denuncia “as práticas ilegais de exploração laboral e de inúmeras violações de direitos humanos no país, em especial os direitos dos trabalhadores migrantes”.
“O futebol é uma prática global que gera as paixões mais intensas e inspira sonhos em muitos jovens que procuram dedicar-se profissionalmente à prática. Associar este torneio a um país com um historial de graves violações de direitos humanos é permitir que fechemos os olhos ao racismo, à xenofobia, à discriminação e preconceito que tanto temos vindo a combater em Portugal e no seio da União europeia”, acrescenta o texto.
O líder da bancada parlamentar da IL, Rodrigo Saraiva, considera “inaceitáveis” as declarações do Presidente da República proferidas, nesta sexta-feira, no final do jogo Portugal Nigéria, declarando que “demonstram uma tremenda insensibilidade social e humana, o que é bastante surpreendente perante o autodenominado Presidente dos afectos”.
Em declarações ao PÚBLICO, Rodrigo Saraiva observa que este episódio não é caso único. “Ainda recentemente, por ocasião dos casos de pedofilia na Igreja [Católica], o sr. Presidente da República também teve declarações inaceitáveis” que o obrigaram depois a pedir desculpa, lembrou o deputado, sugerindo que também neste caso Marcelo Rebelo de Sousa deve explicar-se e “pedir desculpa pelas declarações que proferiu porque os direitos humanos não podem ser nunca esquecidos”.
Rodrigo Saraiva serve-se, de resto, das declarações de Marcelo para dizer que o chefe de Estado “não pode e não deve marcar presença no Qatar quando estão em causa direitos humanos.” “Ainda recentemente votamos contra as viagens que o Presidente fez a Angola porque é também um país em que os direitos humanos estão colocados em causa. Os direitos humanos não podem nunca ser esquecidos”, reitera o líder da bancada parlamentar da IL.
“Parece que quando envolve futebol que os responsáveis políticos perdem um pouco o norte”, acrescenta o deputado aludindo a um episódio ligado ao Campeonato da Europa que ocorreu com o anterior Presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues.
Já André Ventura, embora reconheça que no Qatar não se respeitam os “direitos básicos fundamentais, os direitos das mulheres e de muitos dos seus cidadãos”, considera que há “uma tremenda hipocrisia política” quando se afirma que o Presidente da República, o presidente da AR e o Governo não devem estar presentes no Mundial de 2022, que decorre naquele país.
“O Presidente da República tem razão. Neste momento temos de nos concentrar na prestação desportiva de Portugal, temos de nos concentrar em vencer e trazer o troféu para cá”, afirma o deputado do Chega num vídeo em que reage às críticas a Marcelo.
“Sabíamos que o Mundial ia ser no Qatar, quisemos participar nele e dizer agora que não participamos” ou que o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República ou Governo, não devem estar presentes por razões de direitos humanos é “uma tremenda hipocrisia política”, acrescentou.
Secretário de Estado do Desporto pede “foco na selecção"
O secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Correia, afirmou que o Qatar “não cumpre com os direitos humanos”, apontando que a escolha do país, para acolher o Mundidal2022, “não foi a melhor”.
“O Estado do Qatar não cumpre com os direitos humanos. A escolha que foi feita pela FIFA, que não é de hoje, não foi a melhor e isso já está provado. Os compromissos que o Qatar assumiu, nessa altura, em matéria de direitos humanos, liberdades e garantias não estão a ser cumpridos”, disse João Paulo Correia.
O governante, que esta sexta-feira marcou presença na cerimónia de abertura do Thinking Footbal, no Porto, promovida pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, partilhou, ainda assim, a opinião do Presidente da República, de manter o foco na prestação da selecção nacional. “Embora a luta pela defesa dos direitos humanos tenha de estar sempre presente, não podemos perder o foco na selecção nacional. Como muitos portugueses, também eu sonho com a conquista do título mundial”, disse João Paulo Correia.
Artigo actualizado às 13h50 com declarações da Iniciativa Liberal e um novo título e às 14h57 com afirmações do secretário de Estado do Desporto