Há poucos dias fui com o meu melhor amigo a uma loja de roupa porque ele procurava uma peça em específico. Entrámos no andar de cima da loja, no entanto reparámos que nessa parte do edifício apenas existiam peças “orientadas” para mulheres e crianças, pelo que tivemos de descer ao outro andar para encontrarmos roupa supostamente masculina. Durante o percurso nas escadas, porém, tive uma reflexão que comentei com o meu amigo: “As roupas de mulher e de criança estão sempre juntas nas lojas, já reparaste?”.
Estas estruturas de indumentária são um exemplo das nossas dúvidas e contradições. Fruto do capitalismo assente na liberdade de escolha – por vezes difícil de gerir – não deixam também de representar muito dos standards pelos quais o comum da população, por inúmeras razões, desde a falta de tempo à comodidade dos artigos aí vendidos, se orienta diariamente. Não obstante, apesar da possibilidade de escolhermos qualquer peça de vestuário – salvaguardando que seja do nosso tamanho – quando entramos nestas lojas vamos sempre com um pensamento predefinido: eliminamos uma fracção do estabelecimento e seguimos apenas para a zona com roupas do sexo com o qual nos identificamos.
Porque é que a maioria de nós tende para reduzir desta forma tão célere opções de vestimenta? Ora, creio que pelo menos uma parte da resposta reside na própria configuração da loja, isto é, no modo como ela se encontra organizada. É frequente que nesta forma de comércio as roupas “de homem” estejam mais afastadas daquelas que são “específicas” para mulheres e crianças. Esta distinção não me parece inócua, contudo, tacitamente reprodutiva das divisões sociais de género: é que ainda se considera a figura feminina como a protectora dos filhos, a especialista na missão de cuidar, não se visualizando no homem estas mesmas capacidades.
E, já sabemos, a partir do que a história nos tem ensinado, que tipo de desigualdades esta distinção gera: a percepção de que apenas o homem deve trabalhar e garantir o sustento da família; a produção de masculinidades e feminilidades tóxicas, que podem ir da negligência à superprotecção parental; a reprovação da mulher quando esta decide ter uma carreira profissional, pois tal não se coaduna com o seu “papel de líder expressivo da família (…) [e garantista d]o bem-estar dessa unidade social” (Oliveira&Amâncio, 2002, p. 45), como Talcott Parsons afirmava na sua concepção dicotómica do género.
A manutenção desta visão machista é o garante de que o status quo dos estereótipos sexuais e de género se mantém, o que significa um obstáculo poderoso perante a necessidade de desnaturalização das separações daquilo que homens e mulheres podem fazer na sociedade.
Por isso, quando as lojas de roupa colocam os vestuários que consideram apropriados para o sexo masculino longe dos femininos e infantis não estão apenas a transmitir implicitamente a mensagem de que identificam as mulheres como as únicas que nascem com sabedoria inerente para tratar das crianças: estão também a contribuir para este sistema que ainda cria barreiras à mulher no mercado de trabalho e aos homens nas funções de cuidado paternal e de educação de infância.
Mas estes estabelecimentos de retalho são lugares de dupla exclusão, dado que também impõem os tipos de roupa que devem ser vistos como adequados para cada um dos sexos. Se bem que num país livre a opção das roupas a adquirir seja completamente livre, ela, na prática, não deixa de estar condicionada por aquilo que é compreendido como roupa tradicionalmente masculina ou tradicionalmente feminina, fora das quais tudo o resto é um desvio às normas sociais.
Todavia, num período da contemporaneidade em que a inclusão é uma palavra de ordem, efectivá-la significa não nos deixarmos limitar pelas velhas maneiras de ver o mundo. Neste caso em concreto, simbolizaria tão simplesmente não concebermos que homens e mulheres devem utilizar uma dada vestimenta para serem aceites nos seus grupos de relações, promovendo a diversidade e o valor humano das pessoas em detrimento da superficialidade da sua indumentária.
Os espaços físicos são importantes geradores de (des)igualdades sociais. Tal representa uma obrigatoriedade de estarmos atentos aos chãos, tectos e paredes que enquadram os nossos percursos e os nossos estares na sociedade. Sem dúvida que os lugares e as práticas que neles são desenvolvidas demonstram aquilo que, individualmente ou como comunidade, pensamos acerca de nós mesmos e dos outros. E os lugares-comuns são os principais sítios a evitar, quer existam nos nossos discursos ou nas estruturas materiais em que nos encontramos.