Há mulheres que não se sentem livres em país algum
Remar contra a corrente é um acto de coragem e está ao alcance de todas e de todos.
A Miriam conhece todos os países. Fartou-se de viajar, sempre sozinha. Recusou-se a aceitar a cautela inculcada pela mãe. “Não vás sozinha… Não estejas sozinha! Vê a que horas vais para casa... Não saias à noite sozinha!” Conselhos diferentes dos que ouvia dirigir ao irmão mais velho.
Hoje, reconhece legitimidade nos conselhos da mãe e independentemente do local onde tenha estado, nunca se sentiu verdadeiramente livre. Custa ouvir. Mas é preciso dizê-lo, sem rodeios. Não, a mulher não é livre e não é só no Irão que ela não é livre. E se a falta de liberdade não é uma questão geográfica, ela também não pode ser resumida a uma questão de género.
Por outro lado, há uma questão de cultura secular, enraizada e difícil de esbater, apesar de alegarmos que na nossa Constituição, homens e mulheres têm os mesmos direitos.
Não vou fazer a tentativa de uma abordagem científica para justificar ou completar o raciocínio que apresento, baseado em factos vividos, por várias mulheres, como a Miriam. Para chegar aqui, é preciso apenas ouvir as mulheres e concluir que:
Não, a mulher não é livre!
A mulher não é livre de vestir o que lhe apetecer e sair à noite, sem que na melhor das hipóteses, oiça um piropo, ou sinta um abrandar de carro, atrás de si.
A mulher não é livre de usar um decote, num transporte público, sem que seja importunada.
A mulher não é livre de sair de casa, sem ponderar e adequar a roupa aos locais por onde irá passar nesse dia, temendo pela sua segurança.
A mulher não é livre de sair à noite, pedir uma cerveja e estar dez minutos sozinha sem que seja abordada.
A mulher não é livre de ir correr de leggings, ao final do dia, para o meio da natureza, sem temer pela sua integridade física.
A mulher não é livre de publicar uma fotografia de biquíni, a jogar vólei de praia, sem que chovam sobre ela os comentários: “Gata, safada, lasciva, provocadora.”
A mulher não é livre de se expor fisicamente, sem que sobre ela recaia o selo de “fútil”.
A mulher não é livre de ter vários parceiros sexuais, sem que seja conotada de “puta”.
A mulher não é livre de dizer abertamente que não quer ter filhos, que não quer aquela gravidez, ou que afinal até nem gosta tanto do papel de mãe.
A mulher não é livre de viver a sexualidade, sem que a ela seja imputada a responsabilidade quase total de assumir a contracepção: DIU, pílula, implante, adesivo…
A mulher não é livre de dizer que gosta de sexo, ou que faz sexo todos os dias, sem que tal facto viralize nos tablóides como “ninfomaníaca”.
A mulher não é livre de mostrar os mamilos, sem ser censurada.
A mulher não é livre, quando continua a ser tabu falar da menstruação e do impacto que pode ter na sua vida.
Mas a mulher continua a lutar pela liberdade e muitas mulheres pagaram e pagam um preço demasiado elevado para que o mundo se habitue à ideia.
Remar contra a corrente é um acto de coragem e está ao alcance de todas e de todos. Em certos países, como o nosso, a mulher é livre de escrever sobre o que lhe apetecer, mas ainda assim, correndo o risco de ser achincalhada com termos que remetem para uma suposta condição do seu género, ou invertendo a retórica: então e os homens também não sofrem das mesmas situações? 3, 2, 1, é observar as caixas de comentários deste e de outros artigos escritos por mulheres e partilhados nas redes sociais.