Somos melhores pais quando confiamos

Lidar com os miúdos é exactamente a mesma coisa do que guiar um carro com o GPS ligado!

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"Para um condutor/educador implacável consigo mesmo, rígido nas suas certezas, cada desvio da rota é vivido com desespero" @designer.sandraf

Querida Mãe,

Sabe como os pais estão sempre a dizer de que gostavam era que os filhos viessem com um livro de instruções, ou um manual que os orientasse na sua educação? Pois bem, venho anunciar ao mundo que não precisam de esperar mais!

Venho aqui oferecer-lhes um guia definitivo para uma parentalidade de sucesso. Lidar com os miúdos é exactamente a mesma coisa do que guiar um carro com o GPS ligado! Ainda antes de nos fazermos à estrada, e apenas baseados em palpites de terceiros, decidimos qual é o melhor percurso para chegar ao destino final.

Quando, a meio caminho o GPS nos manda virar à direita, é provável que nos enganemos, porque estávamos cansados ou distraídos, continuando em frente. Seguem-se cinco minutos de “Ai que raiva! Como fui tão parva?”, mas a vida encarrega-se rapidamente de “recalcular a rota” e apontar-nos um outro trajecto, às vezes um pouco mais longo, mas noutras até acaba por ser melhor.

A verdade é que por muito que nos enganemos, nunca ficamos sem caminho, no pior cenário temos de fazer uma inversão de marcha!

Mãe, acredite, somos pais melhores quando, como o GPS, confiamos que nunca vamos ficar sem caminho, certos de que, eventualmente, chegaremos lá. Seguros de que é normal que com o cansaço, distracções e inseguranças por vezes a condução seja um bocadinho aos solavancos, mas também capazes de aceitar que, pondo e tirando piscas, podemos ir mudando de faixa, ou mesmo de via.

Ah, espere, mãe, existe mais uma fundamentação para esta alegoria: o raio da despesa que ambos dão!


Querida Filha,

Tens toda a razão e, quanto mais penso nisso, mais semelhanças encontro. Mas tomara a nós que o julgamento dos outros fosse tão benigno como o do GPS: nunca levanta a voz, nunca se irrita, nunca nos diz com ar de desprezo que não nascemos para a condução, como certas e determinadas pessoas que viajam ao nosso lado, no banco do passageiro.

Mas tenho de te dizer que, desconfio, que o segredo está dentro de nós, e não do “sistema de posicionamento global” que mandámos instalar. Porque tudo depende da flexibilidade, ou falta dela, com que escutamos as indicações daquela voz — ou da voz do nosso grilo interior.

Para um condutor/educador implacável consigo mesmo, rígido nas suas certezas, cada desvio da rota é vivido com desespero. Pune-se a si próprio por supostamente não estar à altura do mapa, ou faz dos outros, inclusive dos filhos, bodes expiatórios. Já alguém com mais compaixão por si mesmo, mais aberta à surpresa aceitará, até com entusiasmo, que tudo não aconteça conforme planeado, agradecendo os atalhos, mas também os desvios mais compridos.

O que te posso garantir, Ana, é que estes últimos serão melhores pais, de filhos mais felizes. No Natal vou oferecer GPS cheios de compaixão a todas as mães e pais que conheço. Obrigada pela ideia.


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.

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