O Presidente fez o discurso que era seu dever fazer

Teresa de Sousa assina, a partir dos EUA, uma crónica diária até à próxima terça-feira, dia das eleições intercalares norte-americanas.

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Muita gente criticou o Presidente Biden pelo teor do discurso ao país de quarta-feira à noite. Foi um discurso com uma só mensagem: a democracia americana está em perigo, é preciso defendê-la todos os dias. Incluindo na escolha que cada americano fizer nas urnas de voto das eleições intercalares da próxima terça-feira. Pediu aos eleitores “paciência e confiança” na noite eleitoral, subentendendo-se das suas palavras que haverá tentativas para “negar” os resultados. Biden tem razão. Não há democracia quando alguns candidatos dizem publicamente que só aceitam os resultados se ganharem.

As críticas dos republicanos entendem-se. Acusaram-no de “usar” a democracia e o cargo para fins eleitorais. São as que vieram do seu próprio campo que merecem atenção. As críticas vieram dos analistas e dos estrategos eleitorais do partido. Basicamente, consideraram que o seu discurso não serviu de muito para mobilizar os votos. Pode ter tido mesmo o efeito contrário. Devia ter falado da economia, do custo de vida, das leis que já fez aprovar para reduzir o preço escandaloso dos medicamentos, da redução dos impostos para a classe média e o aumento para os ricos. Numa palavra, devia ter sido “pragmático”.

Não consigo estar de acordo. Creio que Joe Biden fez um discurso sobre a democracia porque sentiu, “nos ossos”, a obrigação de o fazer. Que era seu dever fazê-lo. Os seus conselheiros disseram que a oportunidade esteve em discussão na Casa Branca. Foi, provavelmente, o assalto à casa de Nancy Pelosi em São Francisco o factor que o levou a decidir fazê-lo.

Tom Nichols escreve na newsletter diária da revista The Atlantic que o discurso do Presidente está destinado a marcar o tempo que estamos a viver, mesmo que não tenha sido um grande discurso. Não houve grandes frases para fazer manchetes. “Pelo contrário, o Presidente dos Estados Unidos falou de um amigo que foi parar ao hospital por causa de um homem com um martelo, para a seguir nos pedir a todos para pensarmos se conseguiremos impedir que o nosso sistema de governo resvale para o autoritarismo e a violência.”

Seja quem for que ganhe no dia 8, esta questão é incontornável. “E é a pergunta certa”, conclui Nichols. Não podia estar mais de acordo. É talvez preciso estar deste lado do Atlântico para sentir que é assim.

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