Salvar o planeta é uma mentira
O planeta Terra não precisa de ser salvo, não quer ser salvo, e pouco se importa se o reino animal, e os humanos em particular, nele habitam.
Temos ouvido, ao longo dos últimos anos, muitas frases alusivas à necessidade de salvar o planeta. Estas são falaciosas e é imperativo que se mude esta retórica com urgência. O planeta Terra não precisa de ser salvo, não quer ser salvo, e pouco se importa se o reino animal, e os humanos em particular, nele habitam. Nós, humanidade, é que podemos, ou não, querer salvarmo-nos a nós próprios.
A forma como se apresenta o problema, os slogans, os desenhos e cartoons, a arte de intervenção que possa ser criada, condicionam e muito a compreensão e a consequente acção ou inacção perante o problema. O efeito de estufa, causado pela emissão de gases emitidos na sua maioria pela mão humana, que estão a causar uma subida média das temperaturas, que torna algumas zonas do planeta inabitáveis, fenómenos climáticos extremos como por exemplo ondas de calor e furacões, que causa uma subida das águas do mar, e uma alteração da biodiversidade que tem consequências catastróficas, em nada interfere com a “vida” do planeta Terra propriamente dito.
Logo, nós não temos de salvar o planeta, nós temos de salvar a humanidade, e as palavras também contam, neste que é o maior desafio dos nossos tempos.
Pelos motivos errados e já com atraso, nós temos de nos colocar, obrigatoriamente à escala global fora do nosso umbigo. Fomos formatados para a nossa identidade enquanto família, comunidade, cidade, e acima de tudo, uma identidade nacional, que faz sentido do ponto de vista organizativo, mas todos compreendemos, que a atmosfera e os oceanos não obedecem às nossas fronteiras, e por isso estamos todos na mesma equipa, quer queiramos quer não.
Num barco a afundar-se, certamente as pessoas esqueciam as suas diferenças e desavenças prévias para se unir e evitar o naufrágio, porque há um interesse comum, e que é muito maior do que qualquer outra questão, pois põe em causa a sobrevivência. Mas quando pensamos nos impactos das alterações climáticas, ainda não vemos bem que é algo que nos toca a todos, que nos põe a todos em risco, e cuja solução obriga a uma abordagem prioritária à frente de tudo o resto, e com a globalidade da humanidade envolvida na informação e acção justas à escala dos oito mil milhões, que somos.
Na busca da solução para o problema, somos obrigados a transformar egoísmos em altruísmos. Se o “outro” faz parte do problema, também fará parte da solução.
Para nos preocuparmos com os nossos filhos, vamos também ter que nos preocupar com os filhos dos outros, mesmo em países que desconhecíamos existir no mapa. Uma equipa que não lute toda na mesma direcção e que não se organize e coordene à volta de objectivos comuns é uma equipa que está condenada ao falhanço.
Mas para funcionarmos como equipa, temos que caminhar no sentido duma justiça global, pelo menos ao nível das oportunidades. Enquanto discutimos a temperatura a que nos devemos aquecer no inverno e arrefecer no verão, há milhões de crianças a morrer por doenças facilmente tratáveis, todos os anos.
A questão da justiça climática é a pedra basilar do que se pode esperar duma plataforma de entendimento que urge criar. Há quase uma relação inversamente proporcional entre quem mais emitiu CO2 e quem mais sofre com a subida de temperatura do ar, das terras e dos mares.
Acontece que, este necessário planeamento para lutar contra um problema que é do futuro, mas também já é do presente, nasce enviesado porque, cada pessoa, cada comunidade, cada país, partem para a sua análise de perspectivas muito diferentes.
É difícil explicar a quem sofre com uma guerra que é preciso reduzir os combustíveis fósseis.
É difícil falar do degelo e da subida das águas a quem está em risco de morrer à fome.
É difícil explicar a problemática do plástico nos oceanos a quem não sente garantido para si e para os seus filhos o dia de amanhã.
E é também para um encontro e alinhamento de expectativas de vida que temos de caminhar, para lutarmos como equipa contra o barco que se está a afundar, que se chama humanidade e não planeta.
A vontade política nasce da opinião pública, e esta nasce de uma boa compreensão dos problemas, das soluções, e da estratificação por prioridades do nosso raciocínio. E para isso, as palavras contam. E no meu entender e de quem lê ciência, ao dia de hoje e de amanhã, não há nada mais importante do que as alterações climáticas, que põem em risco a vida de todos nós.
O atraso na compreensão levará à necessidade de atitudes mais bruscas. O relatório das Nações Unidas que tem dias (27 de Outubro), é muito claro em relação ao desastre que enfrentaremos se não mudarmos de rumo, agora. E assim, espero que o encontro da COP27 no Egipto, não seja mais um mergulho na ambiguidade dos líderes que prometem e nada fazem.
Salvar o planeta é uma mentira, nós temos é de salvar a humanidade.
As crónicas de Gustavo Carona são patrocinadas pela Fundação Manuel da Mota a favor da Médicos Sem Fronteiras.