Impeachment? Qual impeachment?
Teresa de Sousa assina, a partir dos EUA, uma crónica diária até à próxima terça-feira, dia das eleições intercalares norte-americanas.
Talvez não haja melhor exemplo do desgoverno em que caiu o Partido Republicano do que ouvir os seus candidatos falarem com toda a tranquilidade sobre um futuro impeachment do Presidente Biden. Quando os jornalistas lhes perguntam a razão, dizem que logo se vê. Claro que isso só poderia acontecer se ganhassem a maioria na Câmara dos Representantes, porque basta uma maioria simples para aprovar o início de um qualquer processo de impeachment. Os analistas convergem na convicção de que o Senado, mesmo que os republicanos conseguissem uma maioria, nunca aprovaria a destituição do Presidente.
Mesmo assim, a simples possibilidade de que tal venha a acontecer mostra duas coisas: o domínio de Trump sobre uma maioria dos candidatos do partido que vão ser eleitos para a Câmara dos Representantes; o vazio quase absoluto da agenda política com que os republicanos se apresentam a estas eleições. Só há uma explicação para esta ideia bizarra: uma maioria de candidatos republicanos continua a insistir, por convicção ou por oportunismo, que Trump ganhou as eleições presidenciais de 2020, o que faz de Biden um presidente ilegítimo. É o tema preferido de muitos deles. Insistem na “grande mentira”. As suas bases de apoio, de tanto a terem ouvido, acreditam que Joe Biden deve ser destituído. O caminho para o impeachment está aberto.
Barton Gellman, que escreveu sobre o assunto na revista The Atlantic, revela que a maioria dos republicanos com quem falou dizem que um “motivo” pode ser Hunter Biden, o filho do Presidente que está a ser investigado por alegada fraude fiscal e que tem alguns problemas de comportamento, incluindo o uso de drogas. “O problema é como ligar o Presidente às desventuras do filho”. Há, todavia, uma coisa de que os republicanos têm a certeza: “Donald Trump vai querer destituir toda a gente.” O anterior Presidente foi por duas vezes alvo de um processo de impeachment, a última das quais por ter incitado a multidão de apoiantes a invadir o Capitólio, a 6 de Janeiro de 2021, para impedir a ratificação da eleição de Joe Biden. Vai querer vingança.
Joe Biden tem razão. A democracia americana atravessa uma crise séria. Como ele disse, na quarta-feira à noite, “sente-se nos ossos”. Está imenso em jogo nas eleições da próxima terça-feira – incluindo o respeito pela vontade do povo, expressa nas urnas.