Susana Amador manteve-se seis meses no Governo quando já era arguida

Líder parlamentar do PS recusa comentar caso da sua vice-presidente: “É uma questão estritamente pessoal.”

Foto
Susana Amador em 2019, quando tomou posse com secretária de Estado da Educação no Governo de António Costa Rui Gaudêncio

A ex-presidente da Câmara de Odivelas, a socialista Susana Amador, manteve-se seis meses no Governo depois de ter sido interrogada na condição de arguida no inquérito que envolve também o presidente da Câmara de Oeiras, Isaltino Morais, e o ex-presidente de Mafra, José Ministro dos Santos.

Foram os três acusados de prevaricação, crime que pode valer-lhes entre dois e oito anos de cadeia, por terem feito parcerias público-privadas de milhões alegadamente prejudiciais para o erário público e com o fito de beneficiar uma empresa de construção civil nas autarquias que dirigiam. Os factos remontam ao período entre 2006 e 2012 e dizem respeito à construção de equipamentos para a população numa altura em que estas autarquias já não podiam endividar-se mais.

Em Odivelas está em causa a construção da escola básica do Casal dos Apréstimos e o pavilhão municipal de Odivelas, cujo concurso de empreitada não foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia, apesar de os seus valores serem muito superiores aos limiares mínimos que dispensavam essa divulgação. Susana Amador – que o PÚBLICO tentou, sem sucesso, contactar – deixa a liderança da autarquia em 2015 e entra no Governo de António Costa quatro anos depois, em Outubro de 2019, para se tornar secretária de Estado da Educação, cargo que abandona menos de um ano depois. Sucede que, em Fevereiro de 2020, a governante foi interrogada na qualidade de arguida deste processo no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, sem que isso a tenha levado a suspender funções. Só saiu do executivo em Setembro desse ano.

Já como deputada do PS, foi-lhe levantada a imunidade parlamentar em Junho do ano passado no âmbito deste processo. De acordo com a presidente da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, a também socialista Alexandra Leitão, uma vez levantada a imunidade no âmbito de uma investigação, isso vale para todo o curso do processo, mesmo que se trate de uma legislatura diferente. Porém, se a arguida for a julgamento terá que haver um pedido de suspensão do seu mandato nos dias das sessões, esclarece. E esse pedido será discutido e votado na comissão. Foi o que aconteceu com a deputada social-democrata madeirense Patrícia Dantas, a ser julgada por fraude no megaprocesso da Associação Industrial do Minho.

No caso dos membros do Governo não há qualquer regime de imunidade nem é necessária autorização para poderem ser interrogados em processo-crime, salienta Alexandra Leitão. Ou seja, podem ser ouvidos, constituídos arguidos e até acusados mantendo-se em funções no Governo – o que seria inédito, mas possível. No entanto, não podem ser detidos ou presos sem autorização do Parlamento e, para irem a julgamento, também têm que suspender o seu mandato, como estipula a Constituição. Essa decisão de suspensão tem também que ser da Assembleia da República – que é obrigatória quando se trate de um crime doloso punido com pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos. O PÚBLICO tentou saber se o primeiro-ministro sabia da condição de arguida da sua secretária de Estado, mas não obteve resposta até à hora de fecho desta edição.

Questionado pelos jornalistas na Assembleia da República sobre o facto de a sua vice-presidente da bancada estar acusada pelo crime de prevaricação, o líder do grupo parlamentar do PS recusou fazer comentários. Eurico Brilhante Dias alegou que “essa é uma questão estritamente pessoal” e que o grupo parlamentar “não tem que emitir opinião”, passando ao lado do facto de Susana Amador estar acusada pela prática de crimes enquanto autarca eleita pelo PS, partido pelo qual liderou a Câmara de Odivelas entre 2005 e 2015. O líder parlamentar socialista – que foi secretário de Estado do segundo Governo de António Costa ao mesmo tempo que Susana Amador assumiu o cargo de secretária de Estado da Educação durante um ano (2019/20) – argumentou que esta “é uma questão em que o PS não tem intervenção. Os tribunais e o Ministério Público fazem o seu trabalho e a senhora deputada, no quadro dos seus direitos constitucionais, fará a sua defesa”.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários