“Quando for grande hei-de ir à Patagónia”, dizia. Por fim, cumpriu-se o sonho
O leitor João Pontífice Gaspar sempre teve fascínio pelo Sul da Terra. Comprovou nesta viagem que viajar pela Patagónia é uma experiência especial.
Nos tempos de criança, uma das perguntas que me faziam com frequência era esta: “Por onde queres viajar quando fores grande?” Respondia, ainda sem saber explicar bem porquê: “Patagónia...”
O fascínio por esta zona do planeta foi crescendo e, já adulto, comecei a pensar mais seriamente nesta aventura. Despertou-me especial curiosidade a estória de Bruce Chatwin, conceituado escritor de viagens. Demitiu-se das suas funções quando era jornalista no Sunday Times Magazine com um telegrama enviado ao superior que dizia simplesmente: “Fui para a Patagónia”.
Que terá de único o Sul da Terra? Que viajantes percorrerão estes glaciares, parques, lagos, bosques, pistas? Algumas das perguntas para as quais fui tentar encontrar respostas. E se viajar pela Patagónia é uma experiência especial, fazê-lo fora da época alta, em Março por exemplo, é ainda melhor.
A Patagónia é o prolongamento meridional da Argentina e do Chile, mas talvez seja demasiado simples reduzir tão bonito “monumento” do planeta a um qualquer limite geográfico ou fronteiriço.
Foi na parte argentina que fiquei duas semanas, embora tenha cruzado de carro a fronteira com o Chile, onde dormi três noites. Para quem gosta de conduzir, a mítica Ruta 40, que liga os dois países, recorda as pistas de Marrocos entre Marraquexe e Merzouga, às portas do deserto. Intermináveis quilómetros e quilómetros!
Um dos elementos naturais que tornam a Patagónia única são os glaciares. Visitei o Perito Moreno, com cerca de 70m de altura, enquadrado num parque limpo, silencioso. E o glaciar Viedma, que forma como que uma baía. O cenário, em ambos, é de tal forma imponente que, mesmo para quem gosta de escrever, as fotografias ajudam a melhor reportar o que se vê. Brinda-se com vinho argentino e cordero patagonico (assado em forno de lenha).
De avião, cheguei a Ushuaia. É a cidade mais austral do planeta. Cerca de 1000km mais a sul, já só existe a Antárctida. Aqui, o ideal é falar pouco, olhar, contemplar, saborear óptimo marisco como a santola. E imaginar os heróis das caravelas que, em 1520, liderados por Fernão de Magalhães, atravessaram o estreito com o nome do navegador português (um pouco mais a norte).
Em Ushuaia, realce para a baía, o porto, o museu marítimo, a antiga colónia penal. Também vale muito a pena a viagem no histórico Comboio do Fim do Mundo, puxado por uma locomotiva a carvão.
De Ushuaia, apanho um bote e desembarco na ilha Martillo. Aqui, os “habitantes” são especiais…cerca de 6000 pinguins! Ficam entre Setembro e Abril, alimentando-se sobretudo de sardinha.
Há os pinguins-Magalhães (a figura de Fernão de Magalhães é central em toda esta zona); os pinguins-papoa; e, os mais raros, os pinguins-rei (apenas dois na ilha). Animais calmos, simpáticos, provocam a admiração de todos os que os observam... Como se estivéssemos a participar num documentário, rodado num cenário inspirador!
Ainda em redor da ilha, deparamo-nos com uma colónia de mais de 100 leões-marinhos. Chegam a pesar 300kg, cada um, e parecem veraneantes deitados numa praia cheia de sol! Continuando a viajar de barco, avista-se o Farol do Fim do Mundo, imortalizado por Júlio Verne num dos seus livros.
Ir à Patagónia ajuda a provar que as grandes viagens são o durante, mas também o antes e o depois. O antes, pela preparação e estudo que se faz da aventura; o durante, pela vontade insaciável de aproveitar cada instante; o depois, pelas memórias que perduram - como a de Luis Sepúlveda, uma das primeiras vítimas em Portugal da covid-19, e a do seu eterno Expresso da Patagónia.
João Pontífice Gaspar