PSP põe um agente nas juntas de freguesia de Lisboa e Porto que deixem de ter esquadra

Director nacional assume que, pela primeira vez, não houve candidatos suficientes nos dois últimos concursos de admissão e promete alojamento para os polícias deslocados.

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Magina da Silva termina a sua comissão de serviço em Fevereiro de 2023 Rui Gaudêncio

Manuel Magina da Silva, director nacional da PSP desde Fevereiro de 2020, reconhece em entrevista ao programa Hora da Verdade do PÚBLICO/Renascença um grave problema de recrutamento de polícias e revela a proposta que já entregou à tutela para o fecho de várias esquadras nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto de modo que se libertem polícias para as ruas: “É uma equação matemática que não está sujeita a discussão.”

Esta nossa conversa acontece numa altura em que têm crescido os sinais de contestação por parte dos sindicatos da PSP. O Governo responde com aumentos para 2023, que variam entre os 10,9 e os 12,7%, dependendo das categorias. Acha que esta proposta é suficiente para acalmar os ânimos?
A PSP é uma organização complexa, que tem muitas gavetas. Relativamente à questão das remunerações que auferem face à essencialidade da função que desempenham, há uma percepção de injustiça relativa, porque ao longo dos anos permitiu-se uma décalage entre os vários actores de Segurança Interna e de Justiça. Os ordenados pagos na PSP são bastante mais baixos dos pagos, por exemplo, no SEF e na Polícia Judiciária.

O ordenado-base no início de carreira é de 809 euros. Passar de 809 para 900 euros vai mudar alguma coisa na atractividade da profissão?
Não sou eu que defino as tabelas remuneratórias. O que fiz foi identificar um conjunto de factores que levam a alguma perda de atractividade da missão policial. Há uns que podemos trabalhar e outros que são estruturais. A primeira forma de resolver um problema é admiti-lo. Não tinha sucedido antes, mas nos últimos dois recrutamentos a PSP não conseguiu preencher as vagas que pôs a concurso. Temos um problema de recrutamento na PSP. Este é um problema que já afecta as Forças Armadas há algum tempo, e agora chegou às forças de segurança.

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Director nacional da PSP promete alojamento para os polícias deslocados e defende o fecho de várias esquadras nas grandes áreas metropolitanas. 

Helena Pereira,Celso Paiva Sol

Mais de metade do efectivo da PSP tem mais de 45 anos. Como é que assim conseguirá rejuvenescer-se?
Temos de conseguir alterar estas dificuldades de recrutamento. A PSP está concentrada nos grandes centros urbanos, e estar na PSP implica estar deslocado do seu local de origem durante alguns anos. Esquecemo-nos da logística e do bem-estar dos polícias e agora estamos a correr atrás do prejuízo. Estamos a trabalhar em conjunto com o Governo [nesta questão]. Temos 26 milhões de euros que resultam dos descontos obrigatórios que os polícias fazem para os serviços sociais. Estavam cativados há alguns anos e finalmente vamos poder dispor desses 26 milhões para dar apoio social aos polícias que começam a sua carreira. Têm uma remuneração inferior, muitos deles são “despejados” em Lisboa, onde os preços são proibitivos, pouco compatíveis com as remunerações dos polícias. É importante que consigamos dar alojamento de primeira colocação a todos os polícias que estão deslocados do seu local de origem. Tínhamos requisitos de admissão ao curso de formação de agentes muito restritivos, 19 anos era a idade mínima para entrar para a polícia. Nisso, já mexemos de modo a alargar o leque etário.

Qual foi a taxa de não-preenchimento do último concurso?
Só preenchemos 915 das 1020 vagas. No anterior concurso, houve uma taxa similar. Continuando nos factores de não-atractividade, há ainda a muita hostilidade, muita agressividade nos meios urbanos onde está a PSP, mais do que no meio rural. Há também um escrutínio que muitas vezes é maldoso e que os polícias sentem e que o director nacional também subscreve. Quando é justo e saudável, o escrutínio é bem-vindo. Quando só aparecem metade das imagens, versões truncadas, o lado B do disco, os polícias sentem que estão sempre sob um escrutínio, muitas vezes, injusto. O polícia faz o seu trabalho o melhor que sabe, mesmo em circunstâncias muito difíceis. O cidadão médio português não faz a mínima ideia do que sofrem os polícias em muitas áreas do nosso país. E depois sentem que são injustiçados porque não são reconhecidos e, inclusive, são maldosamente escrutinados.

Esse maior escrutínio é exigido pela sociedade a toda a gente, não só aos polícias.
Nós temos uma estratégia de verdade. Não vamos esconder quando há falhas graves. Vamos responsabilizar quem tem de ser responsabilizado, ou seja, quem, de forma dolosa e grave, incumpra com os seus deveres funcionais e com os regulamentos, nomeadamente no uso da força, mas também vamos defender claramente todos os polícias que tenham cumprido os regulamentos e que sejam injustamente atacados.

Da sua estratégia para a PSP, também faz parte a reorganização do dispositivo, como o encerramento de esquadras. Quantas encerraria e o que é que se ganha com isso?
É muito simples. É uma equação matemática que não está sujeita a discussão. Quanto mais esquadras tivermos, menos polícias teremos na rua, nas unidades móveis, nos carros-patrulha, para acorrer a situações urgentes. Apresentei [ao ministro] uma proposta técnico-policial em que estamos a trabalhar. Temos esquadras em Lisboa a 500 metros umas das outras, o que não faz sentido absolutamente nenhum. Isto tem de ser mudado. A competência de fechar e abrir esquadras é da tutela política, não é minha. Há muita margem [para mexer]. Fizemos um estudo comparativo com várias polícias da Europa e Estados Unidos, que está vertido nesse documento, e nós somos, de longe, a polícia que tem mais instalações policiais se não for do mundo, deve caminhar para lá.

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E em efectivos?
Grosso modo, se olharmos para forças e serviços de segurança do Estado com armas distribuídas, Portugal tem o quarto rácio da Europa. As esquadras contribuem para um sistema autofágico, “comem” polícias. São 12 polícias só para manter aquilo aberto. Se olharmos para a grande área metropolitana de Madrid, oito milhões de habitantes, a Polícia Nacional de Espanha tem 36 instalações policiais ou divisões. O Comando Metropolitano de Lisboa da PSP para a Área Metropolitana de Lisboa, que servirá 1,2 milhões de pessoas, tem, pasme-se, 64 esquadras. Pelo rácio de Espanha, ficaríamos com sete esquadras e meia. A nossa proposta não é tão radical. É que nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto passemos a ter só divisões com mais capacidade, com mais projecção de meios para termos mais polícias na rua novamente. Como forma de mitigar esta questão, a PSP garante que colocará nas juntas de freguesia que eventualmente deixem de ter instalações policiais um polícia em horário normal de expediente, de forma que possa haver um posto de atendimento para receber queixas, etc. É uma forma de mitigar essa perda psicológica.

A criminalidade à volta das esquadras não diminui?
Não, não é menor. É uma falsa sensação de segurança ter instalações. O que dá segurança é a polícia ter meios móveis para rapidamente acorrer a cidadãos que estão em apuros.

Estamos a falar de uma redução de esquadras de que ordem? 30%?
Não lhe posso dar os dados, isso está a ser trabalhado pela tutela com o poder local.

E quantos efectivos é que se libertaria para as ruas?
Novamente, não lhe vou falar nisso, mas fizemos a projecção do impacto e também o financeiro, de poupança, porque obviamente termos 64 instalações não é o mesmo que termos 12, ou o que seja.

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Ouvimos o poder político dizer que a criminalidade está a descer e que Portugal é o segundo, terceiro, quarto país mais seguro do mundo. Mas há sinais concretos de que o pós-pandemia trouxe outras realidades. Como é que se vive nas grandes cidades?
As tendências globais dos índices de criminalidade não são especialmente preocupantes. Qualquer crime é preocupante, mas a criminalidade geral não está com tendência para aumentar. Na criminalidade violenta e grave, há um aumento ligeiro. Há efectivamente um aumento da intensidade da violência usada para cometer crimes. Portanto, é muito natural que o ano 2022, mesmo em relação a 2019, traga um aumento das tipologias de crimes mais graves, crimes contra a integridade física, contra a vida, homicídios e ofensas corporais graves. Há uma predisposição, muitas vezes totalmente irreflectida e totalmente irracional, para a utilização de armas brancas e armas de fogo. E isso é muito preocupante.

Isso é na noite? É crime organizado?
É transversal. Está relacionado com alguma delinquência juvenil, com a noite, mas também com o dia. Antes, as pessoas resolviam os seus diferendos com uma discussão, eventualmente, uma troca de socos e pontapés. Neste momento, há uma predisposição muito grande para a utilização das armas de fogo e para a utilização de armas brancas. Para combater esta intensidade da violência, temos de ultrapassar os fantasmas do big brother. Estamos a perder tempo na videovigilância dos espaços públicos. Vemos todos muitos vídeos no dia seguinte, mas eu gostaria muito de ter visto esse vídeo ao vivo, em tempo real, para poder enviar polícias.

Tem de se mudar leis.
Temos de mudar o paradigma. Temos de mudar de uma desconfiança sistémica nos polícias para uma confiança sistémica nos polícias e de responsabilização. Muitos aspectos da nossa legislação acabam por se traduzir num insulto, porque transparecem claramente um paradigma de desconfiança sistémica nos polícias do género: “Não podemos dar ferramentas aos polícias que eles vão usá-las mal.” Temos de mudar isso. A videovigilância dos espaços da via pública é essencial para respondermos ao aumento da intensidade da criminalidade, para além da racionalização do número de instalações policiais. Temos também de mudar a Lei da Organização de Investigação Criminal. A PSP tem cerca de 2200 investigadores que estão arredados de investigar esta criminalidade violenta, que é da competência reservada da Polícia Judiciária. Penso que há aqui espaço para a optimização dos recursos de investigação criminal de rua para investigar os crimes de rua.

Já propôs isso à tutela?
Tudo o que eu aqui digo já propus à tutela.

Falou da confiança e da desconfiança em relação aos polícias. Nos últimos tempos, tem havido denúncias, e até de dirigentes sindicais, de infiltração de pessoas de extrema-direita e de movimentos de extrema-direita na PSP. Esse risco é real ou não?
Condeno qualquer tipo de extremismo. Não há nenhum extremismo bom, seja ele de direita, seja ele de esquerda. No racismo, a mesma coisa. São maus os racistas e são maus os que estão noutro extremo, que dizem que somos todos racistas. Não é esse o caminho. Sobre as alegadas infiltrações de extrema-direita, os polícias têm as suas convicções e são livres de terem as suas convicções mais à esquerda ou mais à direita. O que não têm é o direito que essas suas convicções se traduzam em comportamentos, em opiniões, em acções violadoras...

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E tem ou não tem havido essas situações?
Pontuais, e foram imediatamente tratadas. Houve processos disciplinares, participações ao Ministério Público e punições. Peço a todas as pessoas que dizem que há infiltração da extrema-direita, racismo ou xenofobia que se cheguem à frente, identifiquem claramente as situações para nós as podermos analisar e tratar. Os polícias não vêm de Marte, são um reflexo da sociedade. A sociedade maioritária e estruturalmente não é racista. Mas não me interprete mal. Cada manifestação de racismo deve ser investigada e punida.

Uma das decisões do Governo anterior foi criar mecanismos para que esse filtro fosse feito na altura do recrutamento, da formação. Como é que se faz isso?
No Facebook, nas redes sociais, é aí que se vê. E temos o célebre despacho que fiz sobre atavio e aprumo. Não são permitidos quaisquer sinais exteriores, nomeadamente, tatuagens, que traduzam algum comportamento xenófobo, racista. Não há sistemas de recrutamento, nem para a polícia, nem para lado nenhum, perfeitos. É possível que falhemos nessa matéria quando fazemos o recrutamento. Mas fazemos o nosso trabalho. As pessoas têm de perceber que são agentes de autoridade do Estado, têm de ser neutros, apartidários e, quando não forem, têm de ser responsabilizados por isso.

O processo de extinção do SEF está suspenso por tempo indeterminado. Como é que está esse processo?
Não falo em extinção do SEF, falo em reestruturação. Está a ser trabalhada a proposta legislativa que materializará essa reestruturação. Será um decreto-lei que irá criar a Agência Portuguesa para a Migração e Asilo e que irá objectivar as circunstâncias da transferência das competências e dos funcionários do SEF. Demos as nossas opiniões, mas é o Governo que está a tratar desse diploma legal. O que eu posso dizer é que são duas organizações com genéticas distintas. Quando se efectivar a tal reestruturação, haverá um período de adaptação genética, mas todos todos os funcionários do SEF serão bem-vindos à PSP e serão integrados como qualquer polícia que faz o seu curso de agente em Torres Novas.

Continua a achar que seria melhor uma polícia nacional do que esta solução?
Não me coloque essa casca de banana, porque já escorreguei uma vez nela. Se pudesse voltar atrás na minha comissão de serviço de director nacional, provavelmente essa seria a única coisa que mudava, não tinha aberto a boca quando saí da Presidência da República e não teria dado uma opinião pessoal para a questão do sistema de segurança interna. Portanto, não vou voltar a falar nisso.

O seu mandato acaba em Fevereiro de 2023. Quer continuar para além de Fevereiro de 2023?
O meu compromisso é até 3 de Fevereiro de 2023. Nunca sairia antes, e estou prontinho para sair no dia 3 de Fevereiro. Quem vier atrás será tão bom ou melhor do que eu. Não tenho dúvidas nenhumas. Relativamente ao que se fala, acho que quem tem uma ambição desmesurada e patológica por exercer o poder não está pronto para o exercer. Temos de ter algum desapego. Nunca quis ser director nacional. No entanto, fui convidado. É um exercício inútil dizer se quero ou não continuar. Não é uma decisão minha.

Isso não está já conversado com a tutela?
Obviamente que sim, mas não vou falar sobre as conversas que tenho com o ministro da Administração Interna.

Gostava de levar a cabo esta reestruturação da PSP que está a ser discutida?
Gostava, e acho que vou conseguir ter alojamento para os polícias na primeira colocação em Lisboa e acredito que vamos conseguir ver antes de Fevereiro de 2023 alguma capacidade significativa para alojar os polícias deslocados em Lisboa. O resto são 500 processos em curso.

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