Comercializadores do mercado livre querem aplicar a tarifa regulada

As associadas da Acemel pedem o direito a aplicar tarifa definida pela ERSE para travar a partida de milhares de clientes para o mercado regulado do gás natural. Já houve 103 mil pedidos de mudança.

Foto
A Acemel, presidida por Ricardo Nunes, pede alterações ao regime excepcional de regresso ao regulado “com carácter de urgência” Matilde Fieschi

A associação que representa duas dezenas de empresas que comercializam electricidade e gás natural no mercado liberalizado, a Acemel – Associação de Comercializadores de Energia no Mercado Liberalizado, defende que o Governo deve autorizá-las a aplicarem a tarifa regulada, de forma a travar a fuga de milhares de clientes para os comercializadores de último recurso (CUR) que servem o mercado regulado.

Numa posição que diz ter sido “subscrita por todos os associados”, a associação presidida por Ricardo Nunes sustenta que o mercado liberalizado pode sofrer “um retrocesso” de vários anos e que há o risco de “saída desordenada” de empresas que eventualmente deixem de ser viáveis se não lhes for possível aplicar “a tarifa regulada de gás natural definida pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) previamente à transição dos seus clientes para os comercializadores de último recurso retalhistas”.

“A divulgação que tem sido feita” do diploma que entrou em vigor em Setembro incentiva “amplamente a passagem da generalidade dos consumidores domésticos e pequenas empresas” do liberalizado para os CUR, queixa-se a Acemel. De acordo com dados enviados ao PÚBLICO pela Adene, responsável pelo Operador Logístico de Mudança de Comercializador (OLMC), já houve 103.341 pedidos de contratação aos CUR.

Destes, já foram aceites 88.345 pedidos, o que equivale a dizer que são “processos finalizados com a activação do contrato no CUR”. Os restantes 14.996 pedidos “encontram-se em tramitação”.

A Acemel concorda que “a situação excepcional” que se vive na Europa “torna necessárias as ajudas urgentes a famílias e pequenas empresas”. Mas a associação, onde não estão representadas empresas como a Galp, a EDP, a Endesa e a Iberdrola, defende que o objectivo de proteger os consumidores “pode ser alcançado sem provocar um retrocesso nos esforços realizados durante tantos anos para atrair e desenvolver investimentos”, nomeadamente, pondo em igualdade de circunstâncias empresas que actuam no mercado regulado e no mercado livre.

Por existir uma “diferença exponencial de valor entre o custo actual de aquisição de gás natural tendo por referência o Mibgás [mercado ibérico do gás] e o valor da tarifa regulada”, que diz ficar “cerca de 20% a 30%” abaixo do custo real do gás, a Acemel sustenta que tem forçosamente de existir “uma compensação” para que os comercializadores do mercado livre possam praticar a tarifa regulada.

A associação entende que esta compensação deve ser definida “em moldes consonantes” com o que ficou previsto nas “alíneas c) e d) do artigo 13.º do referido Regulamento (UE) 2022/1854 do Conselho, de 6 de Outubro, segundo as quais os fornecedores são compensados pelo fornecimento abaixo do custo e todos os fornecedores são elegíveis para apresentar ofertas ao preço de fornecimento do gás abaixo do custo na mesma base”.

A Acemel sugere mesmo que a “compensação poderia corresponder à diferença entre a cotização média para cada período de seis meses” no mercado ibérico de gás e o preço a facturar aos clientes que estivessem no regime de tarifa regulada.

Mais proveitos para a Galp

A associação destaca também que a passagem de clientes para o mercado regulado não está isenta de custos para os consumidores. E que estes não são, até à data, conhecidos.

Uma vez que a tarifa regulada “se situa em valores muito inferiores ao custo real actual de aquisição do gás natural, haverá necessidade de operacionalizar, em moldes ainda a comunicar, transferências financeiras ou recuperação extraordinária de proveitos permitidos através das tarifas de gás para os comercializadores de último recurso retalhistas”, explica a entidade.

Como o grosso dos clientes de gás natural em Portugal está nas zonas de concessão das distribuidoras Setgás, Lisboagás e Lusitaniagás, que pertencem à Floene (ex-GGND), mas cuja comercialização regulada cabe a empresas do grupo Galp, será esta empresa a beneficiar de um aumento de proveitos.

Por outro lado, lembra a Acemel, “a comercializadora em mercado livre do grupo Galp detém actualmente uma quota de mercado que a torna elegível como operador dominante no mercado português, caso se venha a instituir este conceito em termos regulatórios em Portugal”.

A Galp é a líder do mercado livre em termos de volumes abastecidos, ainda que a EDP seja a principal comercializadora do segmento doméstico, com metade dos clientes. Foram também estas empresas que anunciaram significativos aumentos nos preços a partir de Outubro, precipitando a mudança legislativa.

No entender da Acemel, o diploma em vigor desde o início de Setembro acarreta uma “grave afectação do nível de concorrência já alcançado” no mercado português, pelo que se pedem alterações ao regime excepcional de regresso ao regulado “com carácter de urgência”.

Sugerir correcção
Ler 4 comentários