Se muitos ainda desvalorizavam a influência de Kanye West quando este decidiu proferir comentários anti-semitas que incitavam à violência, a iniciativa de um grupo, no último fim-de-semana, de pendurar cartazes, num viaduto sobre uma auto-estrada em Los Angeles, em que se lia “Buzine se souber que Kanye tem razão sobre os judeus” ao mesmo tempo que fazia a saudação nazi, lançou uma espécie de alerta vermelho. E o fim da parceria com a Adidas foi a última consequência do comportamento errático do artista.
A gigante alemã de produtos desportivos já tinha feito saber que estava a analisar os negócios que mantinha com Ye, depois de o criador ter surgido em Paris com uma camisola que exibia o slogan “White Lives Matter” (“as vidas dos brancos importam”, frase associada ao movimento supremacista).
West, porém, não se mostrou preocupado: “Eu posso dizer coisas anti-semitas e a Adidas não me pode deixar cair. E depois?”, atirou, durante o podcast Drink Champs, na semana passada.
Mas as vozes a reclamarem por uma tomada de posição da empresa alemã têm vindo a crescer. Em declarações ao The Washington Post, o chefe executivo da Liga Contra a Difamação, Jonathan Greenblatt, contou que manteve uma série de conversas com executivos e accionistas seniores da Adidas, durante o último fim-de-semana, para discutir o tema e a resposta “insuficiente” da marca.
“O anti-semitismo deveria ser inaceitável em qualquer circunstância. O facto de a Adidas não ter feito esse simples esclarecimento é chocante”, acusou Greenblatt, recordando o facto de a história da marca germânica incluir “ter equipado a Juventude Hitleriana”.
Corrente de apoio aos judeus
Ao mesmo tempo, a saída de cena da chancela de luxo Balenciaga e o virar de costas da poderosa Anne Wintour, a mítica directora da Vogue cuja amizade é sinónimo de portas abertas no mundo da moda, determinaram outras tomadas de posição não menos relevantes.
A agência que representava Kanye West fez saber que não tem intenções de voltar a trabalhar com o artista; o estúdio que ia produzir o seu documentário optou por arrumar a ideia na gaveta; e centenas de celebridades, do mundo artístico, mas também de outras esferas, vieram a público pronunciarem-se contra as ideias do rapper em “defesa dos amigos judeus”.
Um dos nomes mais relevantes neste processo será o de Kim Kardashian, a ex-mulher de Ye e mãe dos seus quatro filhos: “O discurso do ódio nunca é aceitável ou perdoável. Junto-me à comunidade judaica para apelar que a violência terrível e o discurso do ódio contra esta acabem de imediato.” A empresária publicou a declaração nas histórias da sua conta de Instagram, depois de muitos terem aderido a uma corrente de apoio ao povo judeu.
Agora, a Bloomberg começou o dia por citar pessoas familiarizadas com o assunto, sem as identificar, para avançar que a Adidas deveria pôr um ponto final à parceria ainda nesta terça-feira, pressionada também pela bolsa: as acções estão, nesta manhã, a cair mais de 3% em Frankfurt e a negociarem-se ao valor mais baixo dos últimos mais de seis anos.
E a decisão chegou por fim: a empresa informou que decidiu terminar a parceria com Kanye West com efeito imediato, estimando que a acção represente uma quebra de 250 milhões de euros ao rendimento líquido no corrente ano fiscal. “Os comentários e acções recentes de Ye têm sido inaceitáveis, odiosos e perigosos, e violam os valores da empresa de diversidade e inclusão, respeito mútuo e justiça”, avançou a empresa numa declaração, citada pela Bloomberg.
A aliança entre a Adidas e Ye, firmada em 2013, resultou na linha Yeezy, que, segundo as contas dos analistas, tem um peso de quase 10% das vendas totais da marca. Por esse motivo, a empresa pretende reclamar os direitos intelectuais sobre todos os produtos que resultaram da parceria, o que lhes dará o direito de os continuar a produzir.
Por seu turno, Ye acusou a Adidas de copiar as suas ideias e diz tencionar obter 20% de royalties vitalícios sobre todos os sapatos que desenhou com a empresa.
A Adidas pagava a West à volta de 220 milhões por ano, segundo uma estimativa da Forbes, cuja mais recente avaliação da fortuna do artista apontava para dois mil milhões de dólares. Sem o contrato com a Adidas, a riqueza do rapper poderá cair para menos de mil milhões, obrigando-o a abandonar o clube dos multimilionários.