À primeira vista, um canal de televisão dedicado a cães parece, bem, muito estranho. Mas os nossos animais de companhia passam frequentemente longos períodos de tempo sozinhos em casa, e ter alguma maneira de os enriquecer e estimular pode ser muito benéfica tanto para os cães como para os donos.
Durante a pandemia, muitos cães gostaram de ter os tutores por perto mais vezes do que o normal devido às restrições de saúde pública. Mas o regresso gradual ao local de trabalho e os eventos sociais cada vez mais regulares fizeram com voltassem a passar mais tempo sozinhos.
Alguns dos nossos amigos caninos – em particular aqueles cães que só foram viver com os donos no início da pandemia – estão agora a passar por algumas dificuldades de adaptação a este novo estilo de vida. Assim sendo, qualquer ferramenta que possa proporcionar estímulos e entretenimento pode ser útil para minimizar a inquietação destes animais e mantê-los felizes e saudáveis.
A ansiedade da separação canina é real
Alguns cães gostam de estar sozinhos. Isso dá-lhes a oportunidade de aproveitarem um tempo valioso de descanso e descontracção – na verdade, os cães podem dormir até 16 horas por dia.
Infelizmente, outros cães acham que ficar sozinhos é bastante mais inquietante, o que pode levar a alguns comportamentos problemáticos relacionados com a separação. Latidos ou uivos excessivos, reacção a sons e movimentos externos ou mesmo comportamentos destrutivos são comuns.
Como ajudar os cães a relaxar quando estão sozinhos em casa
Além do treino, há um conjunto de maneiras recomendáveis para tornar o tempo que os cães passam sozinhos mais fácil. Alguns dos exemplos incluem a utilização de brinquedos interactivos de alimentação, criar espaços silenciosos e seguros para eles, assim como dar um passeio com o cão antes de sair de casa.
Outro método comum é deixar o rádio ou a televisão ligada quando o animal está sozinho, para minimizar os barulhos do exterior. Os meus cães passam muitas vezes o dia a ouvir música clássica, o que ajuda a reduzir o stress nos cães que estavam em canis.
Os cães relacionam-se com o que vêem na televisão?
É amplamente reconhecido que os cães não vêem a televisão da mesma forma que nós – uma maratona de zapping significa tempo no sofá com a nossa pessoa favorita, em vez de assistir aos episódios em atraso do último sucesso dramático. Os nossos cães estarão provavelmente conscientes que descontraímos e relaxamos quando a televisão está ligada, por isso essa associação pode ser útil para os encorajar a estarem calmos, mesmo quando não estamos presentes.
Estes animais também não vêem a cor como nós – vêem o mundo em cores mais suaves, mas podem detectar melhor o contraste na penumbra. O movimento do ecrã pode ser detectado por eles e há muitos relatos de cães a observar e a reagir a animais, carros ou outros objectos em movimento na televisão.
Para espécies que são atraídas pela perseguição de objectos, o movimento na televisão pode despertar interesse – é melhor teres cuidado com o que está à volta da tua televisão, no caso do interesse do teu cão se tornar mais animado.
Uma pergunta chave é se os cães conseguem reconhecer o que vêem no ecrã. Estes animais podem responder a imagens e utilizar dispositivos de ecrã táctil depois do serem treinados para o efeito. Mas é muito mais desafiante compreender o que eles realmente vêem.
Os cães não parecem responder totalmente ao próprio reflexo num espelho, o que significa que não podemos ter a certeza se eles reconhecem outro cão no ecrã.
O cheiro é um sentido significativo para os nossos cães, especialmente para se reconhecerem uns aos outros, e isto está claramente em falta quando um cão vê televisão. Mas, talvez combinando o que vêem e os sons dos cães e de outros animais, estes patudos ainda possam interessar-se e serem positivamente estimulados por uma televisão.
Os cães são sensíveis ao som
Os cães têm uma audição muito sensível. São peritos em se orientarem para perceberem de onde vêm os sons. A típica inclinação da cabeça dos cães quando falamos com eles – ou quando ouvem um tipo específico de ruído – ajuda-os a perceber a origem do som.
Certos barulhos e frequências também vão alertar ou acalmar os nossos cães – os meus spaniels reagem com entusiasmo ao som dos faisões que aparecem nos dramas históricos televisivos.
Ter um rádio ou televisão ligados pode dar a impressão de “normalidade” e uma presença em casa, o que pode ser tranquilizador. Também pode ser útil no treino e na dessensibilização dos cães a ruídos invulgares que podem ser assustadores, ou para disfarçar e afogar sons externos que os podem perturbar.
Os cães que são física e mentalmente estimulados tendem a ser mais felizes, mais bem comportados e a ter melhores relações connosco.
Ao tornarmos o mundo deles um lugar interessante e enriquecedor, com oportunidades de aprendizagem e fazer associações positivas com o que vêem e ouvem, podemos ajudá-los a relaxar e reduzir qualquer ansiedade que a vida possa trazer.
A televisão, rádio ou as ferramentas de treino, combinadas com outras escolhas benéficas de estilo de vida, tais como exercício, dieta, companhia e treino, podem contribuir muito para ter um cão feliz e saudável.
Ainda que estes sejam perturbadores e por vezes inconvenientes para nós, ao ponto de poderem levar a gastos financeiros e ocasionalmente relações difíceis com os vizinhos, são também sinais claros de angústia emocional nos nossos cães.
Exclusivo P3/The Conversation
Jacqueline Boyd é professora de Ciência Animal na Universidade Nottingham Trent, no Reino Unido