The Golden Vines: Óscares de cortiça, inclusivos, de olhos postos no futuro
Os Golden Vines, iniciativa da Fundação Gérard Basset, distinguem os melhores do mundo do vinho. As “estatuetas” de cortiça portuguesa foram entregues em Florença, assim como várias bolsas de estudo que visam abrir a indústria a todos. Uma veio para Portugal.
Os prémios The Golden Vines, uma iniciativa da Fundação Gérard Basset e da Liquid Icons, visam distinguir as estrelas do mundo dos fine wines e financiar programas de formação no sector do vinho, bebidas espirituosas e hotelaria, com enfoque na diversidade e inclusão. Os Óscares do vinho foram entregues em Florença, Itália, no último domingo e, na véspera, foram conhecidos os nomes dos vencedores das bolsas de estudo e bolsas de financiamento atribuídas este ano.
Durante o evento de três dias, cujo programa incluiu masterclasses várias e visitas a produtores da Toscana, a fundação criada pela esposa e pelo filho do mais premiado sommelier do mundo angariou mais de um milhão de euros, nomeadamente em dois leilões de fine wines, em que participaram empresas portuguesas.
Entre os nomeados para os Golden Vines Awards, figurava apenas um nome luso: a produtora da Bairrada Filipa Pato, na categoria Best Rising Star. Mas o nosso país esteve representado também de outras formas. A começar pelo troféu que os melhores dos melhores levaram para casa. Rolhas gigantes de cortiça portuguesa, desenhadas pelo artista ítalo-etíope RED, em colaboração com a Amorim Cork e a Casa Gucci, que foram entregues num jantar de gala no Palazzo Vecchio, com menu criado pelo estrelado chef Massimo Bottura e actuações dos músicos Sekou Sylla e Celeste.
Os melhores dos melhores
O melhor produtor de fine wine do mundo é da Borgonha, em França: Domaine de la Romanée Conti. A Szepsy Winery (Tokaji, Hungria) venceu o prémio de melhor produtor da Europa. A mesma distinção nas Américas foi para a norte-americana Ridge Vineyards (Montanhas de Santa Cruz, Califórnia). O melhor produtor de vinhos topo de gama no resto do mundo é a Penfolds (Austrália).
O prémio de melhor estrela em ascensão foi para o produtor The Sadie Family Wines, de Swartland, na África do Sul, que conquistou 80 votos. A bairradina Filipa Pato ficou em quarto lugar, em dez nomeados (os dez mais votados num momento anterior), com 64 votos, uma distinção que recebeu surpresa e “alegria”. “Só soubemos quando publicaram a lista. De qualquer forma, é sempre uma grande alegria ter este reconhecimento e estar ao lado de produtores que tanto admiro”, disse esta quinta-feira a produtora e enóloga ao Terroir.
Louis Roederer (Reims, França) venceu o prémio de sustentabilidade. Os criadores da app Wine-Searcher (Nova Zelândia) levaram para casa o prémio de Inovação, uma novidade nesta segunda edição dos Golden Vines, com o patrocínio da Casa Ferreirinha, do grupo Sogrape.
O prémio Hall of Fame foi para István Szepsy, com a Szepsy Winery a levar para a Hungria dois troféus de cortiça. O prémio Honorário foi entregue a título póstumo a Becky Wasserman e recebido pelo seu filho Paul, que lembrou que a mãe “começou a vender vinhos nos anos 1970” e tinha como missão “pôr a Borgonha no mapa”, numa altura em que “não era fácil vender a Borgonha”. Grant Ashton, fundador e CEO do 67 Pall Mall, clube que nasceu o Reino Unido e tem hoje moradas em 15 países, venceu na categoria Empreendedor no Vinho e Hospitalidade.
Os vencedores saíram da votação de 943 profissionais do sector (Masters of Wine, Master Sommeliers e outros especialistas experientes), de 106 países, que, em simultâneo, responderam ao inquérito que está na base do Relatório Global de Fine Wine Gérard Basset 2022 e fizeram a sua escolha para cada uma das categorias dos Golden Vines Awards, explicou Lewis Chester, co-fundador (com Gérard Basset) e CEO da Liquid Icons, empresa que estuda a indústria e publica aquele report.
O futuro da indústria
Numa festa que decorreu, sábado, no Tepidarium Del Roster, a Fundação Gérard Basset entregou bolsas que ajudarão a formar “a liderança do futuro”, num financiamento que no total abrange 40 pessoas e entidades colectivas: quatro bolsas Master of Wine e Master Sommelier, no valor de 14.300 euros cada, e com o apoio da Dom Pérignon; três bolsas para a diversidade no vinho com o apoio da Taylor's (que já se tinha associado à iniciativa em 2021), no valor de 63.000 euros cada; uma bolsa idêntica mas para a diversidade nos destilados, patrocinada pela Hennessy; dez bolsas para a Wine Scholar Guild (cujas formações são online) — uma veio para Portugal, para Bento Amaral, que trabalhou 23 anos no Instituto dos Vinhos do Douro e Porto e lançou recentemente o projecto Humanwinety —; cinco bolsas para vítimas de guerra — quatro para cidadãos ucranianos —, patrocinadas pela Artémis Domaines; e 16 bolsas de financiamento para projectos colectivos que promovem a causa da diversidade e inclusão na indústria, incluindo o Humanwinety.
Para Sandeep Ghaey, estudante dos EUA que ganhou uma das bolsas para a diversidade no vinho, esta é uma oportunidade para prosseguir os estudos com vista a alcançar o título de maior prestígio que um especialista na indústria do vinho pode alcançar, concedido pelo histórico Institute of Masters of Wine, no Reino Unido. O bolseiro, que já passou o primeiro ano do exigente curso, acredita na importância de “o vinho reflectir a diversidade das nossas comunidades” e prometeu “usar sabiamente” o financiamento que lhe foi atribuído. Os seus planos são “passar os próximos dois meses em França, depois passar por Portugal, talvez pela Alemanha, visitar a Macallan [outro patrocinador dos Golden Vines, na Escócia] e Malta”.
Jarret Buffington, da Austrália, confessou-se “um embaixador [dos prémios] para a vida” e pretende “correr o mundo do vinho” com a bolsa que recebeu. E Carrie Rau, formadora na área do vinho e a trabalhar num produtor de Ontário, no Canadá, já tem estágio de três meses garantido no Château Margaux, em Bordéus, no Outono de 2023. Tem ela própria um projecto que pretende atribuir bolsas para a diversidade: a Vin Equity. Jian Cio, chinês que passou o último ano a estudar no Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa, à boleia do programa Vinifera Euromaster, recebeu a bolsa da Hennessy e vai estagiar 12 meses na conhecida casa francesa de conhaques — na cidade de Cognac.
“Estas bolsas são para os líderes do futuro no sector dos vinhos”, comentou, ao Terroir, Adrian Bridge. A Fladgate, que detém a Taylor's, marca com “330 anos de história”, quer ela mesma liderar nesta matéria, explica o seu CEO. “Conhecia bem o Gérard Basset, ele acreditava muito na educação. E muitas das nossas actividades estão ligadas à educação e à importância da educação. No vinho há muita gente que torna o nosso negócio muito complexo. Falamos em coisas que o consumidor não entende, utilizamos uma linguagem fechada. Em vez de pensar no vinho como uma riqueza que devemos partilhar com todos. E, quando as pessoas têm mais formação, apreciam mais.”
Vencedor de uma bolsa de estudo para fazer um curso na Wine Scholar Guild, Bento Amaral escolheu a formação sobre Itália e os seus vinhos, enquanto estuda, “duas horas por dia”, para “daqui a dois anos” se atirar ao título de Master of Wine. Ao telefone, explica que tudo começou precisamente por aí, por esse sonho, que ainda persegue. “Mandei para lá um email a perguntar: e porque não pessoas com deficiência física? Porque eu teria condições para me candidatar. Neste caso, para estudar para Master of Wine.” Na resposta, incentivaram-no a criar o seu próprio projecto. E nasceu assim o Humanwinety, no início deste ano, para “capacitar [pessoas com deficiência para a indústria do vinho] através da formação para a inclusão”.
Para além do apoio da Fundação Gérard Basset, Amaral e o sócio Cláudio Martins têm já o patrocínio da Quinta da Aveleda e da Herdade do Rocim, criaram “um guia de boas práticas” para esses parceiros e os que ainda venham a abraçar o projecto, e esperam conseguir arrancar com as primeiras formações no primeiro trimestre de 2023. Falta-lhes finalizar a plataforma tecnológica que os formandos usarão na componente teórica.
Vinhos portugueses a leilão
Durante o evento, dois leilões permitiram chegar à fasquia do milhão de euros, verba que permite à Fundação Gérard Basset ajudar estes e outros bolseiros a concretizar o sonho de trabalhar e crescer na indústria. Um deles decorreu ao vivo na noite de sábado. No outro, um leilão online, entre os melhores vinhos do mundo figuravam lotes da Barbeito, da Casa Ferreirinha, da Graham's e da Taylor's. A casa madeirense doou um lote de seis vinhos Madeira com 50 anos (Avó Mário Bastardo, Japonês Malvasia, Aniversário Verdelho, Famílias, Garrafões do Ribeiro Real e Garrafões da Manuela Malvasia) e disponibilizou-se a receber, para “uma experiência incrível” na ilha da Madeira, com estadia de uma noite, duas pessoas, que terão oportunidade de conhecer as vinhas da Barbeito e o enólogo e produtor Ricardo Diogo Freitas. Um “pacote” que foi licitado por 8.500 euros.
A Sogrape doou três garrafas magnum de Barca Velha e vai receber na Quinta do Porto (uma noite), seis convidados, depois de um nome português ter licitado o conjunto por 9.100 euros. O CEO Fernando da Cunha Guedes e o enólogo Luís Sottomayor receberão o grupo. Ao vale do Douro irá também o grupo de quatro pessoas que licitou, por 5.100 euros, o tawny colheita Graham's 1952 – Rare Platinum Jubilee Edition of Queen Elizabeth II. Serão recebidas por Anthony Symington, numa quinta privada do grupo Symington. A região os fortificados representaram em peso Portugal neste leilão solidário, com a Taylor's a doar uma experiência de três dias no Porto e no Douro, para seis (que rendeu 18.000 euros): jantar no hotel vínico Yeatman com o CEO da Fladgate, prova de vinhos do Porto velhos com o director de enologia do grupo, David Guimaraens, visita às vinhas no Douro, passeio de barco no rio e estadia no hotel Vintage House Hotel, no Pinhão, entre outros mimos.
Em entrevista ao Terroir, Nina e Romané Basset explicaram que os Golden Vines nasceram para “manter vivo o legado” de Gérard Basset, que faleceu inesperadamente no início de 2019, a dois meses de completar 62 anos. “Adoro o mundo do vinho e o que é fantástico, para mim e para o meu filho, é que o mundo do vinho nos abraçou de uma forma tão calorosa desde a morte do Gérard que poder retribuir e continuar envolvida é para mim muito especial”, partilhou Nina, hoteleira e hoje uma das administradoras da Fundação Gérard Basset.
Basset construiu uma carreira única, era Master of Wine, Master Sommelier e foi Melhor Sommelier do Mundo em 2010, entre outros títulos que conquistou. O seu filho arrisca dizer que o pai nunca terá imaginado que o seu nome pudesse estar ligado a “algo assim, tão grande”, mas, acredita Romané, estaria “invejoso por estar a perder” os Golden Vines. “O meu pai foi sempre mentor de jovens sommeliers, que iam trabalhar para o hotel, às vezes durante duas semanas, às vezes durante dois anos. Nesse sentido, estamos a continuar o seu trabalho de orientação, de ajudar os mais novos, todos de diferentes proveniências.”
A primeira edição dos Golden Vines Awards decorreu em Londres, no Annabel’s Private Member’s Club, e permitiu à fundação criada para dar continuidade ao seu legado angariar quase 1,5 milhões de euros. Em 2023, os Óscares do vinho serão entregues em Paris e a organização dos Golden Vines Awards já levantou o véu sobre o que se passará na cidade das luzes: será servido o vinho Liber Pater, o vinho mais caro do mundo, e os chefs Akrame Benallal e Alain Ducasse criarão o menu para a noite de gala. Nomes que deverão fazer subir o valor dos bilhetes, que este ano custavam cerca de 6900 euros.
O Terroir viajou para Florença e esteve nos Golden Vines Awards a convite da Taylor's.