No início de 2020, estava a almoçar com um grupo de mulheres na Polónia, que discutiam as limitações que já se adivinhava que seriam criadas ao aborto no país. Este medo concretizou-se na primavera de 2020 em pleno lockdown.
Eu cresci em Portugal sem nunca pensar muito acerca do direito ao aborto ou o acesso a métodos contracetivos. Nunca parei para agradecer e abraçar a geração de mulheres que lutaram e sofreram para eu ser mais livre, mais minha e mais independente do que elas foram. Aí estava eu perante outra geração que está a lutar por aquilo que a minha mãe conquistou décadas antes, mas desta vez na Polónia.
A situação polaca, os resultados eleitorais na Itália - terra onde também fui criada com um pai que me avisou sobre os perigos dos extremismos - e a guerra na Ucrânia parecem ser sinais de que algo não está bem. Será que está tudo perdido? Devemo-nos entregar nesta hora de insegurança ao aliciante discurso que promete a solução a tudo, através de uma aparente estabilidade baseada na conformação de uma sociedade autocrática?
Não. As autocracias não são soluções de sucesso e o êxito que os seus líderes alegam ter está baseado na limitação de direitos, na repressão da liberdade de expressão, na manipulação dos meios de comunicação, na imposição de sistemas patriarcais e na eliminação do pluralismo político (pilares fundamentais do nosso dia-a-dia, em que já nem pensamos muito). As autocracias só beneficiam uma minoria, oprimindo a maioria. Nenhuma democracia pode garantir a solução para todos os problemas. E a democracia não começa e acaba nas urnas, nem tem num parlamento a sua única expressão. A democracia é para ser vivida por todos, tutelada por nós nas ruas, em ações de civismo e voluntariado, nos corredores das nossas instituições de ensino e nas nossas petições. Somos o pulso da nossa democracia e temos o poder de a transformar, de forma a que as instituições respondam às nossas aspirações, aos desafios do nosso mundo e se renovem.
Devemos analisar com atenção o que levou aos resultados eleitorais em Itália (que pode vir a ter pela primeira vez uma mulher na chefia do Governo, mas uma mulher que não defende os direitos das mulheres), mas não podemos deixar que esta eleição nos desanime. Todas as lutas, desde a promoção dos direitos das mulheres à defesa do planeta, do apoio à causa dos direitos da comunidade LGBTIAQ ao reconhecimento dos direitos dos animais, passando pela exigência de transportes públicos acessíveis, por um salário digno, por mais oportunidades de emprego para jovens, todas levam ao mesmo resultado: a renovação das nossas democracias, porque todas estas lutas visam expandir os nossos direitos e construir uma sociedade mais próspera e justa. Existem partidos como o Volt, aliados a cidadãos por toda a Europa para trabalharem pelas suas democracias, construindo novas formas de fazer política e adotando novos métodos para lidar com os problemas que nos afligem a todos: custos energéticos altos, inflação, desemprego, crise climática e limitação de direitos humanos. Não deixemos que as nossas diferenças sejam manipuladas para ganho político de demagogos, mas antes construamos alianças entre nós e trabalhemos juntos pelo mundo melhor que desejamos viver.
Tal como as minhas colegas se mantém resilientes e ativas perante a opressão que o governo polaco submete as ativistas pró-aborto, cabe a todos nós seguir o exemplo da sociedade civil na Polónia, das mulheres que apontam a representatividade vazia de Giorgia Meloni e olhar para as lutas de gerações anteriores e enfrentar com coragem e determinação os desafios dos nossos tempos. O peso da História que recai nos nossos ombros parece-me leve quando abraço e dou as mãos às mulheres que marcham por Varsóvia. Esta é a nossa hora.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico