Fotografia
No Alentejo das monoculturas intensivas, a comunidade imigrante veio para ficar
São provenientes de países asiáticos, são "muito abertos e simpáticos" e muitos desejam fixar-se permanentemente no Sudoeste Alentejano. "Há famílias cujos filhos já nasceram em Portugal", nota o fotógrafo André Rodrigues, autor do projecto que se encontra em exposição ao abrigo dos Encontros da Imagem. "Dentro de 10 ou 15 anos, o Alentejo será uma região multicultural."
Nas ruas da vila de São Teotónio, no concelho de Odemira, Sudoeste Alentejano, há novos rostos que se cruzam com os velhos. As novas comunidades imigrantes, oriundas sobretudo de países asiáticos como o Nepal e da Índia, estão "a alterar profundamente a demografia do literal Alentejano", observa André Rodrigues em entrevista ao P3, a propósito do projecto fotográfico Ponto de Chegada, que se encontra em exposição no festival internacional de fotografia Encontros da Imagem.
"Quando andas nas ruas da vila, vês sobretudo portugueses idosos e jovens estrangeiros. É uma dicotomia interessante, sobretudo porque permite antever a ocorrência de uma alteração no Alentejo futuro." Existe, na opinião do fotógrafo, "uma inversão radical do fenómeno" migratório da região; se na década de 1960, ela foi um ponto de partida, hoje é um ponto de chegada. "Quem são estas pessoas que atravessam o mundo dispostas a fazer o trabalho que os portugueses recusam, ou para o qual não existe mão-de-obra suficiente? Qual será o impacto cultural deste fenómeno na região?" Estas questões são o fio condutor do projecto que teve início em 2020 e que se mantém em desenvolvimento.
A força motriz destas novas migrações, refere o fotógrafo que é colaborador do PÚBLICO, tem por base o surgimento de uma indústria da monocultura intensiva que alterou profundamente a paisagem alentejana. "Os colossos multinacionais dos frutos vermelhos descobriram, há pouco mais de uma década, uma Califórnia de baixo custo [onde é possível desenvolver] produção [agrícola] intensiva", explica o fotógrafo na sinopse do projecto. No Alentejo, há "sol a brilhar durante quase todo o ano, solos arenosos e água em abundância", o que torna a região num local apetecível para as empresas do sector. Em consequência, "as planícies de seara e destinos turísticos paradisíacos e desertos estão a ser engolidos por mares de plástico em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano", constata Rodrigues.
A maioria dos imigrantes que se fixou no Sudoeste Alentejano trabalha nas explorações agrícolas intensivas que lá se estabeleceram. Poucos, porém, têm colegas de trabalho de nacionalidade portuguesa. "Atrair os habitantes locais para a agricultura não é tarefa fácil", nota o fotógrafo natural de Barcelos. "Os baixos salários, a intensa carga física, bem como um enraizado desprestígio social associado ao trabalho agrícola afastaram a potencial mão-de-obra local." Refere ter conhecimento das parcas condições laborais e habitacionais daquelas comunidades, no entanto, Ponto de Chegada não se debruça sobre essas questões, em particular. "Prefiro centrar-me no retrato das pessoas e do território", sublinha.
Mas como descreve André Rodrigues a São Teotónio de hoje? Há na vila "pequenos negócios" geridos por membros dessa comunidade, nomeadamente "minimercados, restauração". "Não me apercebi da existência de templos, apesar de ter conhecimento de que lá se realizam celebrações religiosas de outros credos, que não o cristão." Em conversa com os imigrantes, que descreve como muito abertos, simpáticos, percebeu que muitos deles pretendem permanecer no Alentejo. "Há famílias cujos filhos já nasceram em Portugal", nota. "Mais do que é hoje, dentro de 10 ou 15 anos o Alentejo será uma região multicultural."
O fotógrafo, que é formador nos cursos Profissional e Básico no IPCI, no Porto, admite que a série está a dar os primeiros passos. "Este é um projecto a desenvolver a longuíssimo prazo." Não será difícil entrosar-se na comunidade, observa. "Pensei que fosse difícil fotografá-las, mesmo na rua, mas raras foram as pessoas que não aceitaram serem retratadas. Creio que, com a convivência, se tornará cada vez mais fácil." O projecto, que foi inteiramente produzido com recurso ao filme de médio formato, estará em exposição em Guimarães, no CAAA - Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura, até ao dia 30 de Outubro.