Pescadores de Setúbal e Sesimbra protestam contra “mais restrições à pequena pesca”
Concentração junto às docas mostrou desagrado contra recife artificial ao largo da Comporta.
Os pescadores de Setúbal e Sesimbra protestaram nesta terça-feira contra o que dizem ser “mais restrições impostas à pequena pesca”, com uma concentração junto às zonas de descarga do pescado nos portos destas duas localidades.
Os profissionais da pesca, associações, armadores e sindicatos estão preocupados com o impacto da criação de um complexo de recifes artificiais ao largo da Comporta, concelho de Grândola, por recearem que o projecto represente uma limitação à pequena pesca numa área que consideram particularmente rica em peixe.
De acordo com o PCP, que participou no protesto, a instalação do recife “trará novas restrições à actividade da pesca e terá sérias repercussões económicas e sociais nas comunidades piscatórias”. O partido requereu, em Agosto, uma audição parlamentar à secretária de Estado das Pescas, Teresa Coelho, e ao director-geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, José Carlos Simão.
O requerimento para a audição na Assembleia da República foi aprovado por unanimidade, mas a iniciativa ainda não foi agendada.
A decisão sobre a atribuição do Título de Utilização Privativa de Espaço Marítimo (TUPEM), por parte da Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM) do Ministério do Mar, conforme o PÚBLICO já adiantou, é esperada para este mês de Outubro.
A ideia para o protesto era fazer um buzinão junto aos acessos marítimos às instalações da Docapesca nos portos de Setúbal e Sesimbra, mas o atraso das traineiras, na chegada da faina, comprometeu a acção.
Os barcos não chegaram a tempo. A faina atrasou-se porque à hora prevista os pescadores não tinham ainda a carga completa. “Cada vez há mais baias para os barcos de recreio e cada vez é mais difícil o acesso ao porto para que o trabalho seja realizado. A aposta está no turismo e não na pesca”, queixa-se Fernando Sousa, do Sindicato dos Trabalhadores da Pesca do Sul (STPS).
Os pescadores e as organizações combinaram voltar à carga e marcaram nova acção de protesto para sexta-feira, às 10h, com o buzinão das embarcações junto aos portos de pesca.
A intenção é, explica o sindicalista, “evidenciar a falta de apoios do Estado no aumento dos combustíveis, o que provoca o afastamento de novo pessoal desta arte”. Sindicatos e armadores alertam para o “envelhecimento cada vez é maior” no sector.
Apesar de o promotor afirmar que o recife artificial na zona de Setúbal pode coexistir com a pesca na região, os pescadores não acreditam.
“Pode ser um projecto-piloto, mas já existe um semelhante em Portimão e diziam que poderíamos desenvolver o nosso trabalho, mas o que é certo é que, hoje, a pesca em Portimão é só à linha e submarina. É para o turismo. Para as pequenas embarcações de pesca, que abastecem o mercado nacional, deixou de ser permitido pescar”, diz Fernando Sousa.
A comunidade sublinha que na costa sadina “a área vai ser muito maior do que no Algarve”, pelo que receiam pelo futuro. “O que vão fazer estas pessoas? O mercado vai ser abastecido pelo estrangeiro”, acrescenta o sindicalista.
“Os pescadores não se podem render a isso. O TUPEM vai afectar os pescadores de Setúbal, de Sesimbra, e há-de afectar, depois, quando eles derem por isso, os de Sines. Mais dia menos dias os pescadores vão deitar os barcos para o lixo”, conclui.
Palanque reduzido
Outra limitação à actividade piscatória, que afecta especialmente os profissionais de Sesimbra, é o recente regulamento da União Europeia – o Regulamento de Execução 2022/1614 da Comissão, de 15 de Setembro de 2022 - que define as zonas de pesca de profundidade existentes e estabelece uma lista das zonas que abrigam ou podem abrigar ecossistemas marinhos vulneráveis.
Esta norma comunitária, que entrou em vigor na semana passada, proíbe a pesca a mais de 400 metros de profundidade na região de Setúbal. Afecta os pescadores que se dedicam à apanha de espécies de fundo, como o peixe-espada preto, o imperador ou o cherne.
“São espécies apanhadas com palanque (pesca de anzol, mais antiga) uma arte a que a frota de Sesimbra se dedica muito pelo que este regulamento terá um forte impacto nesta comunidade”, antecipa Arsénio Caetano.
Este armador, proprietário de um pequeno barco, de nove metros, vê também o futuro recife artificial como mais uma limitação à pesca tradicional.
“É mais uma área que vai retirar à pesca. Já temos o Parque Luiz Saldanha, que já me prejudicou. Antes da criação do parque navegava meia hora e agora tenho de navegar duas horas para pescar, com um barquinho pequeno, de nove metros. Qualquer dia não temos área para pescar. Com o preço do gasóleo como está agora, começa a ser incomportável”, lamenta.
A embarcação de Arsénio Caetano, que sai todos os dias, quando o tempo deixa, é um dos 483 barcos com motor registados no porto de Sesimbra e os três trabalhadores que emprega contribuem para os cerca de 1000 que esta actividade ainda ocupa nos portos de Setúbal, Sesimbra e Sines.