Os prémios Nobel da Paz mais seguros são os mais políticos, mas não vão para políticos
- Em directo. Siga os últimos desenvolvimentos sobre a guerra na Ucrânia
- Guia visual: mapas, vídeos e imagens que explicam a guerra
- Especial: Guerra na Ucrânia
No ano em que a guerra voltou à Europa pelas mãos de Vladimir Putin, não há nada mais político do que atribuir o Prémio Nobel da Paz a uma organização não-governamental do país agressor, a outra do país invadido e a um activista da Bielorrússia, esse país que o Presidente russo trata como mais uma província e usa de todas as formas que pode para atacar o resto da Europa.
No meio da guerra que até há pouco tempo pareceria impensável, nada faria mais sentido do que atribuir o Nobel aos que, nos países envolvidos no conflito, lutam pela paz, naquela que é sempre a mais difícil e arriscada das lutas.
A dimensão política do Nobel da Paz torna a polémica parte da sua natureza, mas dir-se-ia que nenhuma controvérsia poderia nascer da escolha deste ano. Em resposta aos jornalistas, a presidente do comité, Berit Reiss-Andersen, notou que este prémio “não se dirige contra o Presidente Putin, pelo seu aniversário ou seja pelo que for, com a excepção de que o seu governo, como o da Bielorrússia, é um governo autoritário que ataca os militantes dos direitos humanos” (ironia das ironias, o prémio foi anunciado no dia em que Putin completou 70 anos, que é também a data do assassínio de Anna Politkovskaya, a jornalista que dedicou a vida a denunciar os horrores das guerras da Tchetchénia).
Há três grandes categorias de premiados: políticos – Theodore Roosevelt, Kissinger, Sadat, Menachem Begin, Shimon Peres, Arafat ou, mais recentemente, Barack Obama ou Abiy Ahmed Ali, o primeiro-ministro da Etiópia; organizações internacionais políticas (ONU e muitas das suas agências, União Europeia, etc.) ou humanitárias (Cruz Vermelha, Médicos Sem Fronteiras) e activistas dos direitos humanos em sentido amplo (incluindo jornalistas, como os laureados do ano passado, Maria Ressa, das Filipinas, e Dmitri Muratov, da Rússia). Os primeiros são os que mais desiludem, os segundos os que menos chateiam e os últimos os mais seguros.
Num ano de guerra, e depois de o Nobel da Paz se ter visto envolvido em polémica por causa do percurso de alguns dos laureados, como a birmanesa Aung San Suu Kyi e Abiy (que iniciou uma guerra civil), a escolha deste ano é tudo o que um Nobel da Paz deveria ser. Assume o elefante da sala e premeia a coragem absoluta e desinteressada, a sociedade civil que recusa desistir face aos autoritarismos mais brutais.
É difícil falhar com activistas dos direitos humanos, como o bielorrusso Ales Bialiatski – mas não é impossível, claro. Exemplo disso é Suu Kyi, que depois de décadas idolatrada como exemplo de resistência pacífica face a um regime militar opressor chegou ao poder (sem título oficial, era líder de facto) para deter jornalistas e ignorar as piores atrocidades contra a minoria rohingya.
Claro que o Nobel da Paz não é mais do que a mistura de um passado com o retrato de um momento – ainda que alguns sejam difíceis de justificar, como o de Obama, atribuído com menos de um ano na Casa Branca, mesmo que a sua eleição tenha levado muitos em grande parte do mundo a acreditar na possibilidade de um mundo diferente. Nunca é possível antecipar o futuro de alguém: veja-se Suu Kyi, que de vítima passou a carrasco para logo depois voltar a ser vítima. Mas é muito difícil que Bialiatski, encarcerado aos 60 anos, a Memorial ou o Center for Civil Liberties nos venham a desiludir.