Conselho dos Direitos Humanos da ONU chumba moção para debater denúncias de abusos em Xinjiang

Foi apenas a segunda vez na sua história que o organismo rejeitou uma moção. China critica iniciativa “perigosa”, liderada pelo Ocidente, mas celebra resultado da votação.

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Uma mulher e o seu filho em Kashgar, na província de Xinjiang THOMAS PETER/Reuters

O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas rejeitou esta quinta-feira uma moção que tinha como objectivo agendar para o próximo ano um debate sobre as denúncias de abusos e de violações de direitos humanos por parte das autoridades chinesas contra minorias étnicas na província autónoma de Xinjiang, localizada na região Noroeste da República Popular da China.

Apresentada e apoiada por países como Reino Unido, Estados Unidos, Canadá ou Turquia, e com adesão de grande parte dos Estados do chamado mundo “ocidental”, a moção foi chumbada por 19 votos contra, 17 a favor e 11 abstenções.

Foi apenas a segunda vez desde 2006, ano da fundação do organismo com sede em Genebra, na Suíça, que a maioria dos seus 47 membros rejeitou uma moção.

Entre os Estados-membros do conselho que votaram contra, ao lado da China, estão, sobretudo, países africanos, asiáticos e aliados de Pequim no Médio Oriente. No grupo dos que se abstiveram, estão países como Argentina, Brasil, Índia, Ucrânia ou México.

Segundo a Reuters, o resultado da votação foi celebrado com aplausos pelo lado vencedor da contenda.

“Desta vez, a China foi o alvo. Amanhã, qualquer outro país em desenvolvimento pode ser o alvo”, criticou Chen Xu, embaixador chinês no Conselho de Direitos Humanos, reforçando que Pequim se “opõe firmemente e rejeita categoricamente” os pressupostos da moção.

Mesmo sabendo que seria muito difícil fazer aprovar uma iniciativa desta natureza, contra uma potência mundial como a China, que tem vários aliados por todo o mundo, e que, ainda por cima, é membro permanente do Conselho de Segurança, os promotores da moção entenderam avançar com base no conteúdo do relatório mais recente do Alto-Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) sobre o assunto.

Na sequência da controversa visita da então alta-comissária, Michelle Bachelet, à região chinesa, em Maio, o ACNUDH admitiu a possibilidade de se terem cometido “crimes contra a humanidade” contra a minoria muçulmana uigur e contra membros de outros grupos étnicos de Xinjiang.

“A extensão da detenção arbitrária e discriminatória de membros dos uigures e de outros grupos predominantemente muçulmanos (…) pode constituir crimes internacionais, em particular crimes contra a humanidade”, sublinhava o relatório.

“Campos de reeducação”

Com base em testemunhos de sobreviventes e em diversas investigações realizadas nos últimos anos, várias organizações de direitos humanos e alguns governos e parlamentos ocidentais acusam o Governo e o Partido Comunista chinês de já ter detido cerca de um milhão de uigures em centenas de campos de trabalho forçado de Xinjiang, onde são levados a cabo abusos físicos e psicológicos de vários tipos.

Pequim rejeita todas as acusações — particularmente aquelas que falam em “genocídio” — e diz que as infra-estruturas em causa são “campos de reeducação” destinados a “capacitar” quem lá se encontra, para que percam a disposição e a vontade de promoverem ou se juntarem aos movimentos separatistas e terroristas da região.

Michele Taylor, embaixadora dos Estados Unidos no Conselho de Direitos Humanos da ONU, lamentou o chumbo de uma moção que, garante, apenas pretendia “criar um fórum neutral para o debate” sobre o tema, que daria, inclusivamente, uma oportunidade à China para se defender das acusações num palco privilegiado.

“Nenhum país aqui representado tem um historial perfeito de direitos humanos”, assumiu, citada pela Associated Press. “Nenhum país, não importa o quão poderoso é, deve ser excluído de debates no conselho. Isso inclui o meu país — os Estados Unidos — e inclui a República Popular da China.”

Apesar da rejeição da moção, Taylor garantiu que os EUA “vão continuar a trabalhar de forma muito próxima com os seus aliados para procurarem justiça e atribuírem responsabilidade pelas vítimas de abusos e violações de direitos humanos, incluindo os uigures de Xinjiang”.

A Amnistia Internacional também reagiu de forma crítica ao resultado da votação desta quinta-feira, dizendo que o mesmo “protege os autores de violações de direitos humanos em vez de proteger as vítimas” e que põe em causa a reputação do Conselho de Direitos Humanos da organização mundial.

“Que Estados-membros do conselho votem contra discutir uma situação em que a própria ONU diz que podem ter ocorrido crimes contra humanidade é uma ridicularização de tudo aquilo que o Conselho dos Direitos Humanos supostamente devia defender”, lamentou a secretária-geral da organização, Agnes Callamard, num comunicado.

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