Quem é Erika Hilton, a primeira trans negra eleita deputada federal no Brasil?

Foi a mulher mais votada do PSOL e a nona mais votada em São Paulo. Vai ter assento na Câmara dos Deputados, juntamente com Duda Salabert. E assim se faz história: são as primeiras mulheres trans a ocupar o cargo. Quem é Erika Hilton?

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Erika Hilton, a mulher mais votada de São Paulo — e a primeira deputada federal trans DR

É primeira mulher trans deputada federal eleita por São Paulo — e uma das duas que, pela primeira vez, vão ocupar assentos na Câmara dos Deputados. Erika Hilton, candidata pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), conseguiu, nas eleições deste domingo, 257 mil votos, tornando-se assim na nona parlamentar mais votada naquele estado e a mulher mais votada do partido. Consigo vai Duda Salabert, também mulher trans, eleita por Minas Gerais.

Erika Hilton, agora com 29 anos, já tinha feito história ao tornar-se, em 2020, na primeira mulher trans com lugar na Câmara Municipal de São Paulo — ao mesmo tempo que Thammy Miranda, homem trans, foi também eleito. Na altura, disse à Folha de S. Paulo que a eleição de duas pessoas trans para a câmara do estado mais rico do país era uma “resposta ao fascismo que o Bolsonaro trouxe ao Brasil”.

Quando anunciou que se iria candidatar à Câmara dos Deputados (órgão legislativo) nas eleições que aconteceram este domingo, Hilton prometeu levar consigo as bandeiras que marcam a sua agenda política: os direitos humanos e a cultura.

Ela, que já era presidente da Comissão de Direitos Humanos na Câmara Municipal de São Paulo, garantiu querer dar continuidade a essas propostas em Brasília, em 2023. “Quero federalizar o debate sobre o programa Transcidadania”, disse, citada pela Folha. O Transcidadania promove a reintegração social de pessoas trans em situação de vulnerabilidade, usando a educação como principal ferramenta.

Durante o mandato na câmara municipal, Erika concretizou também a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) de Violência Contra Pessoas Trans e Travestis na Câmara Municipal de São Paulo. “Esta CPI tem o intuito de investigar a violência cometida contra esta população, dar respostas a esta violência, mas também sensibilizar os legisladores e os agentes públicos para que desenvolvam políticas públicas que possam minimizar o sofrimento e a violência que acomete esta população”, disse, aquando da criação da comissão, em Setembro de 2021.

Em Agosto último, recebeu ameaças de morte anónimas, depois de denunciar as declarações de Jair Bolsonaro, que relacionava a varíola dos macacos com a homossexualidade. Não é algo incomum, mas que funciona como “combustível”. “Ameaças fazem parte de uma tentativa de silenciar o meu mandato e o meu corpo. Fico preocupada, receosa, entristecida e amedrontada porque vemos uma escalada”, lamentou.

Candidatou-se agora ao cargo de deputada federal por acreditar na “necessidade de reforma do Brasil”, que, referiu, viu uma “destruição sem precedentes” durante o Governo de Jair Bolsonaro. Na altura da candidatura, disse não querer assumir uma “posição petista nem lulista”, mas perante a vitória de Lula sem maioria absoluta — e uma segunda volta marcada para 30 de Outubro —, Erika acabou por tomar um lado: “Todo o dia é dia de ganhar votos para o Lula da Silva. E não temos tempo a perder”, escreveu no Twitter.

Este domingo foi eleita, tendo assim a oportunidade de, a partir de 2023, cumprir o que propõe no seu manifesto: dar visibilidade às pessoas negras, LGBTQIA+, trabalhadoras e desempregadas, indígenas, com deficiência, defensoras dos direitos humanos e da justiça socioambiental.

As suas propostas incluem um orçamento de cinco mil milhões de reais para “programas de combate à fome, rendimento básico universal e fomento à agricultura familiar” — numa altura em que um em cada três brasileiros diz enfrentar dificuldades para alimentar a família; e 33 milhões dizem não conseguir comer uma refeição todos os dias.

Hilton bate-se também por um Sistema Único de Saúde (SUS) “público e gratuito” e pelo fim de “aumentos abusivos dos planos de saúde”. Naturalmente propõe também medidas viradas para as minorias, como o “levantamento de dados sobre a comunidade LGBTQIA+ para a elaboração de políticas públicas” e a criação de um “Programa Nacional de Combate à Violência LGBTfóbica”. A deputada eleita defende também a protecção de territórios indígenas e quilombos, e a valorização “das universidades públicas e da produção científica brasileira”.

No Brasil, a política continua a ser dominada por homens brancos. De acordo com a Folha, na primeira volta, 60% dos eleitos são brancos; dos 15 governadores eleitos na primeira volta, 14 são homens — o que contrasta com o perfil da população brasileira: 52% são mulheres, 9,1% são negros e 47% são “pardos” (pessoa que tem ascendência étnica de mais de um grupo), segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Este ano, contudo, houve um recorde de candidaturas de pessoas negras, 49,6%, e de mulheres, 33,4%. Erika faz parte desse grupo minoritário e celebrou a vitória precisamente assim: “Já dá para dizer: travesti preta eleita!”

Duda Salabert, eleita por Minas Gerais

Duda Salabert reuniu mais de 208 mil votos em Minas Gerais. Duda foi eleita vereadora em Belo Horizonte em 2020, tornando-se também na primeira vereadora trans — e a candidata mais votada da história da capital de Minas Gerais. Na altura, Duda apontou como prioridades a educação e a área ambiental: comprometeu-se a plantar uma árvore por cada voto que recebesse.

Também habituada a receber ameaças de morte, Duda foi às urnas, este domingo, com um colete à prova de balas — depois de ter sido ameaçada durante a campanha eleitoral.

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Duda Salabert DR

Sobre a sua eleição, acredita que representa “uma vitória dos direitos humanos”. “Fazemos parte de um país em que 90% das travestis e trans estão na prostituição. Isso já mostra que nunca fomos pauta de política pública da esquerda, da direita, do centro. Ter essa vitória é alargar a democracia.”

Duda começou a vida política no PSOL mas, em 2019, deixou o partido por “transfobia” e divergências relativas aos direitos dos animais: “Deixo o PSOL por não concordar com a transfobia estrutural do partido. Enquanto vegan, ambientalista e defensora dos direitos dos animais, não posso aceitar que a luta para difundir o respeito às vidas de todos os animais fique em segundo plano”, referiu, na altura.

Para o mandato de deputada federal, comprometeu-se a continuar a luta ambiental, mas também tem como bandeira a dignidade menstrual — pretende acabar com os impostos sobre os produtos de higiene menstrual —, a mobilidade urbana, a educação e o incentivo à contratação de vítimas de violência doméstica e pessoas trans.

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