De “traidor da pátria” a “sem vergonha”, Bolsonaro e Lula usam último debate para chamar corrupto um ao outro

A certa altura, Ciro Gomes desabafou: “Eu posso esperar lá fora?”. Já a candidata Simone Tebet disse: “Isto não é apresentação de propostas mas de ataques mútuos para verem quem roubou mais”.

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Brasileiros assistem ao debate num bar UESLEI MARCELINO/Reuters

O último debate antes da primeira volta das presidenciais brasileiras de domingo foi marcado por acesas acusações mútuas entre candidatos, em especial as de corrupção entre os favoritos, Jair Bolsonaro e Lula da Silva.

O longo evento, que começou às 22h30 e durou até às 2h locais (6h em Lisboa), foi transmitido no canal aberto da Globo, a maior rede de televisão do gigante sul-americano e contou com a participação de Ciro Gomes (PDT), Jair Bolsonaro (PL), Padre Kelmon (PTB), Luiz Felipe D'Ávila (Novo), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União Brasil).

Padre Kelmon (PTB), que serviu de bengala a Bolsonaro durante todo o debate, questionou o Presidente brasileiro sobre se a esquerda quer “fechar igrejas e calar a boca de padres”. Bolsonaro respondeu que o “futuro da nação está em jogo” e acusou Lula de ter sido o “chefe da quadrilha”.

A partir daí o debate descambou numa troca de acusações de corrupção e de pedidos de direito de resposta entre os dois principais candidatos.

“Comporte-se como presidente, não minta”, afirmou Lula, denunciando depois alegados casos de corrupção de Bolsonaro nas negociações de compra de vacinas da covid-19 que não foram concretizadas, mas também um caso envolvendo o Ministério da Educação, onde pastores evangélicos pediam dinheiro para os seus municípios.

“Traidor da pátria. Rachadinha [desvio de salários de assessores] são os teus filhos. Roubaram milhões após a tua chegada ao poder”, acusou Bolsonaro, acrescentando: “Mentiroso, ex-presidiário, traidor da pátria”.

Lula garantiu que no domingo “o povo” vai mandar o Presidente brasileiro “para casa”

A certa altura, Ciro Gomes, terceiro classificado nas sondagens, desabafou, em tom de brincadeira: “Eu posso esperar lá fora?”.

Jair Bolsonaro aproveitou ainda para recordar o assassinato de Celso Daniel, um importante líder do Partido dos Trabalhadores (PT), o partido fundado e liderado por Lula, que foi assassinado em 2002, num crime inicialmente atribuído a militantes desse partido político que se opunham à decisão de Daniel de combater e denunciar a corrupção.

O antigo dirigente sindical pediu para se defender da acusação e admitiu desconforto por ter de abordar a questão e partilhar o debate com uma pessoa “sem vergonha”, referindo-se a Bolsonaro.

“Isto não é apresentação de propostas mas de ataques mútuos para verem quem roubou mais”, afirmou a senadora Simone Tebet.

Ao longo do debate, a quarta classificada nas sondagens procurou chamar a atenção para a precariedade da educação brasileira, as crianças que passam fome e os incêndios na Amazónia, questão que teve resposta de Bolsonaro: “Então a falta de chuva é responsabilidade minha?”

O clima de tensão voltou também quando Padre Kelmon (PTB) - apelidado pela candidata Soraya Thronicke de “cabo eleitoral” de Bolsonaro e de “padre de festa junina” - acusou mais uma vez Lula de ser um corrupto. “Tive 26 denúncias mentirosas de uma pessoa que depois foi ministra do actual governo”, disse Lula, referindo-se a Sérgio Moro, o juiz que esteve na base da condenação de Lula da Silva por corrupção em processos da Operação Lava-Jato.

Contudo, estes acabaram anulados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) devido à jurisdição e reconhecimento da parcialidade de Moro. “Fui absolvido em 26 processos dentro do Brasil”, afirmou Lula, rematando: “Quando quiser falar de corrupção olhe para outro, não olhe para mim”.

Uma pergunta que ficou sem resposta foi a de Soraya Thronicke, que questionou Bolsonaro sobre se respeitará os resultados da eleição e se pretende dar um golpe de Estado.

Bolsonaro, que ambiciona ser reeleito a 2 de Outubro, tem questionado a fiabilidade do sistema de votação electrónica que o Brasil adoptou há quase três décadas, quando todas as sondagens dão ao seu principal opositor, Lula da Silva, hipótese de vencer logo à primeira volta.

O antigo presidente brasileiro poderá vencer as eleições presidenciais à primeira volta, que se realizam no domingo, de acordo com uma sondagem divulgada na quinta-feira pelo instituto Datafolha. Lula lidera a corrida com 50% dos votos válidos, ou seja não contabilizando os votos brancos e nulos, critério utilizado pelas autoridades eleitorais para contabilizar o resultado da eleição, o que o mantém com a possibilidade de vencer já no domingo.

De acordo com a sondagem, realizada entre terça-feira e quinta-feira e que tem uma margem de erro de dois pontos percentuais, Bolsonaro segue em segundo com 36% dos votos válidos.