Com o fantasma da pandemia para trás das costas, a moda está de volta ao seu circuito habitual para apresentar as colecções da próxima estação quente. Em Milão, com o fulgor de outrora, os desfiles e apresentações das marcas multiplicaram-se ao longo de seis dias, de 20 de Setembro até esta segunda-feira. Eis quem se destacou no certame organizado pela Camera Nazionale della Moda Italiana:
Dolce & Gabbana: Viagem aos arquivos com Kim Kardashian
Não é nova a tendência de as casas de moda de luxo colaborarem com celebridades, nem a de recuperarem peças de arquivo, mas a dupla Domenico Dolce e Stefano Gabbana soube surpreender e protagonizou um dos desfiles mais mediáticos da Semana da Moda de Milão, graças à socialite norte-americana Kim Kardashian.
Tudo começou alguns dias antes do desfile, nas redes sociais, quando a Dolce & Gabbana publicou fotografias e vídeos de Kardashian a ser fotografada por paparazzi com a legenda #CiaoKim — era o prenúncio da colecção que apresentariam no sábado, 24 de Setembro.
Para a colecção da próxima Primavera/Verão, a dupla de criadores pediu à socialite que fosse aos arquivos da marca vasculhar as colecções entre 1987 e 2007 e escolhesse o que, na sua opinião, melhor define a assinatura da casa italiana. “A Kim é uma diva contemporânea e a derradeira musa”, elogiaram os criadores, num comunicado entretanto publicado no Instagram.
Não faltaram os vestidos estilo corpete dos anos 90, as gabardines em PVC, os tules transparentes, as dramáticas rendas pretas com motivos religiosos e, claro, algum brilho das lantejoulas. As modelos desfilaram com colares onde se lia “Kim”. A paleta de cores escolhida por Kardashian não oscilou muito além dos pretos, cinzas e prateado, com um toque de padrão leopardo, uma das assinaturas da Dolce & Gabbana.
No final, a socialite percorreu a passerelle lado a lado com Dolce e Gabbana.
Giorgio Armani e o brilho
Aos 88 anos, Giorgio Armani continua a dar cartas na moda e a provar que a idade não é um impedimento para continuar a brilhar — literalmente. A colecção da próxima Primavera/Verão do criador italiano intitulou-se Fil d‘Or (fio de ouro, em português) e a inspiração, contou, chegou de outros mundos, sem perder a assinatura Armani.
O designer jogou com diferentes variações de brilho em tonalidades entre o cinza, o areia ou o azul. Em termos de volumetrias, como pedem os dias mais quentes, os coordenados esvoaçaram pela passerelle em tecidos leves, mas nem por isso menos elegantes. “Acho que não consigo fazer roupa sem que tenha pelo menos uma lantejoula”, disse, com humor, o designer aos jornalistas.
A colecção, acrescentou, é também fruto de uma maior liberdade que hoje se vive na moda. Se quando começou a carreira, lembrou, havia muitas regras sobre o que se podia ou não usar, hoje já não é bem assim: “Há alguns anos, usar coordenados com lantejoulas durante o dia era desadequado, agora é aceite. O importante é usá-lo bem.”
Os gémeos da Gucci
Não, não está a ver a dobrar, são mesmo 68 duplas de gémeos. A Gucci de Alessandro Michele voltou a dar que falar com o desfile da passada sexta-feira, 23 de Setembro, ao apresentar a nova colecção recorrendo apenas a modelos gémeos. Em Gucci Twinsburg, o criador contou querer prestar uma homenagem à sua mãe, também ela uma gémea, e a todos os que partilham um irmão igual.
A obsessão de Michele com os gémeos não é novidade — no último Met Gala vestiu-se de igual a Jared Leto —, mas, desta vez, foi levada ao extremo com todos os modelos a cruzarem a passerelle em dupla com coordenados exactamente iguais. “Sou filho de duas mães: a mãe Eralda e a mãe Giuliana. Duas mulheres extraordinárias que fizeram do facto de serem gémeas o derradeiro selo da sua existência”, explicou o designer, no descritivo da colecção.
“Elas viviam no corpo. Elas vestiam-se e arranjavam o cabelo da mesma maneira. Eram como um espelho uma da outra. Uma multiplicava a outra. Era assim o meu mundo, perfeitamente duplo e duplicado”, recordou.
Essa duplicação materializou-se em coordenados tão diversos quanto os gémeos que cruzavam a passerelle, com destaque para os vestidos coloridos cintados, os blazers pretos com meias de ligas e os casacos cintilantes com ombros estruturados.
Não faltaram os motivos florais, que têm sido uma das assinaturas de Michele na Gucci, em gabardines compridas, quimonos e vestidos de seda. Destaque, ainda, para os acessórios: os óculos de sol, as jóias para a cabeça ou as clássicas malas da marca de Florença.
“A magia dos gémeos”, como descreveu, foi também uma oportunidade para reflectir sobre “a relação entre cópia e original” — uma das batalhas com que se debatem as casas de moda de luxo. “Como se por magia, as roupas se duplicam. Parecem perder o seu estatuto de singularidade”, lembrou.
Mas eis que neste exercício Alessandro Michele chegou a uma conclusão: “O efeito é alienante e ambíguo. Quase uma fenda na ideia de identidade, e depois, a revelação: as mesmas roupas emanam qualidades diferentes em corpos aparentemente idênticos.”
Os contrastes da Prada
Simplicidade e contrastes marcaram a proposta da Prada para a próxima estação quente. Miuccia Prada e o director criativo Raf Simons quiseram voltar aos básicos e despir o desfile de todos as “complicações desnecessárias”. Afinal, a moda não tem de ser complicada.
É esse caminho que a Prada tem feito nas últimas colecções, com uma crescente aposta em peças clássicas, mas nem por isso sinónimo de monótonas. Para provar, abriram o desfile com uma série de coordenados cinzentos, com destaque para o macacão com colarinho. A simplicidade das roupas contrastou com a excentricidade da maquilhagem das modelos, com pestanas exageradas a cobrir grande parte do rosto.
“Não há estruturas complicadas, nada de desnecessário. Sem disparates — este lado cru representa a absoluta simplicidade. Queríamos fazer algo com os materiais mais simples e modesto — com papel. Depois usamos este sistema de redução e simplicidade como forma de o tornar bonito”, explicou Miuccia Prada, em comunicado.
O papel foi então ponto de partida para diversos vestidos sem mangas, de aparente corte simples. A simplicidade da proposta chocava com os grandes laços nas costas dos casacos, ao mesmo tempo que ressoava nos coordenados com transparência, dando continuidade a uma tendência que seguem há várias estações.
A noiva cor-de-rosa da Versace
Donatella Versace é arrojada e não tem medo de o mostrar. Na nova colecção, misturou sem receios tiaras com elementos punk, naquilo que chamou a reinvenção de uma “uma deusa que se torna grunge”.
“Sempre adorei uma rebelde. Uma mulher que é confiante, inteligente e um bocadinho diva”, destacou a criadora de moda, em comunicado. Esse lado rebelde materializou-se nos primeiros coordenados, todos em preto, com vestidos justos e transparências sensuais, lado a lado com calças em pele com franjas e tachas em metal.
“Essa mulher veste pele e ganga desfiada, mas tem atitude suficiente para a misturar com chiffon, algodão e uma tiara. É uma mulher forte e independente: é linda e sabe-o”, descreveu. Esse lado mais feminino invadiu a passerelle nos vestidos rosa e roxo, nos decotes românticos e no padrão de zebra.
A “deusa” imaginada por Donatella Versace pisou a passerelle em forma de noiva cor-de-rosa, encarnada pela socialite Paris Hilton, com um mini-vestido coordenado com um véu e uma tiara.
Na galeria de imagens acima, veja os coordenados que se destacaram na Semana da Moda de Milão.