Restaurantes: À mesa, de olho nas vinhas

Restaurantes regularmente abertos ao público em quintas produtoras de vinho não abundam em Portugal. Na Região dos Vinhos Verdes, estes quatro fazem as honras da classe.

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O restaurante Tormes fica na Fundação Eça de Queiroz e revisita referências culinárias da obra do escritor Anna Costa

Tormes, Baião

O restaurante Tormes funciona na quinta do mesmo nome, cujo velho solar alberga a sede da Fundação Eça de Queiroz.

Quem já leu o conto A Civilização ou o romance A Cidade e as Serras sentirá o mesmo deslumbramento da paisagem, como há 130 anos Eça, numa carta, contava à sua mulher: “Vales lindíssimos, carvalheiras e soutos de castanheiros seculares, quedas de água, pomares, flores, tudo há naquele bendito monte”.

Nessa sua rápida visita à propriedade, o grande escritor abominou a casa, mas o velho solar foi recuperado e hoje, para além de se poder ver todo o espólio de Eça de Queirós, exposto em várias salas, é também possível comer no restaurante onde, obviamente, é dada primazia às iguarias que as personagens, sobretudo Jacinto e José Fernandes, de A Cidade e as Serras, tanto elogiam.

Os pontos altos, porventura os pratos mais pedidos, serão o caldo de galinha como entrada e o frango alourado com arroz de favas como principal. Mas a ementa também revisita outras personagens, como Tomás de Alencar (de Os Maias), que dá nome a um bacalhau. Para sobremesa, arroz doce, iguaria que a personagem Jacinto elogia sem rebuço, ou o creme queimado, numa receita que leva água em vez de leite. Toda a carta é fiel à cozinha tradicional portuguesa, sobretudo à cozinha regional.

António Pinto chefia a cozinha do restaurante Tormes, em Baião Anna Costa
Restaurante Tormes, na Fundação Eça de Queiroz (Baião) Anna Costa
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António Pinto chefia a cozinha do restaurante Tormes, em Baião Anna Costa

No capítulo dos vinhos, importa referir o Tormes, da casta avesso, com uvas criadas nas vinhas da quinta e vinificado na adega do produtor vizinho Quinta da Covela, que possui adega mais moderna e bem apetrechada.

Sobre o assunto vínico, citemos Jacinto, sobre o que lhe serviram com o frango: “O vinho caindo de alto, da grossa caneca verde, um vinho gostoso, penetrante, vivo, quente, que tinha em si mais alma que muito poema ou livro santo!”

Tormes
Caminho Particular de Tormes, Quinta de Tormes, Santa Cruz do Douro (Baião)
GPS: 41.1251, -8.0047
Das 12h às 15h e das 19h às 22h
Encerra domingo ao jantar e à segunda-feira (Inverno: só com marcação)
Preço médio: 25 euros

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A sardinha marinada e braseada com broa é uma das muitas evocações da cozinha tradicional assinadas pelo chef Carlos Silva, no restaurante do hotel Monverde. Anna Costa

Monverde, Amarante

Neste périplo por restaurantes em quintas produtoras de vinho, o Monverde é o único que não tem a História por suporte. Nasceu em 2015 na Quinta de Sanguinhedo – uma das seis propriedades do grupo Quinta da Lixa –, integrado no hotel vínico Monverde. O hotel cresceu rapidamente e em 2019 ganhou um novo corpo com 10 suítes equipadas com piscina privativa, uma nova sala de provas e adega experimental, para permitir aos hóspedes a sensação de se poderem tornar “enólogos por um dia”, isto é, de poderem fazer as combinações de várias castas até encontrarem o blend perfeito para o seu gosto.

Na cozinha do restaurante Monverde pontifica o chef Carlos Silva, que tem a preocupação de se manter focado com a cultura gastronómica da região, dando-lhe um toque de modernidade com assinatura de autor. E, importante, sempre tendo em mente a harmonização dos pratos que reinventa com os Vinhos Verdes que a quinta produz.

Hotel Monverde, Amarante Anna Costa
Restaurante do Hotel Monverde, Amarante Anna Costa
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Hotel Monverde, Amarante Anna Costa

Para além das sugestões da carta, os clientes podem optar pelo menu sugestão do chef ou por um bem recheado menu de degustação.

O apelo que o Monverde faz aos sentidos está presente na paisagem, na diversidade dos tipos de alojamento, no restaurante e nos vinhos. Neste caso, não só aqueles que são produzidos nos 22 hectares da Quinta de Sanguinhedo, mas também nos 120 hectares do conjunto das propriedades do Grupo Quinta da Lixa, que acabam por se elevar a mais de 300 hectares se contarmos as vinhas de outros lavradores controladas pela família Meireles, proprietária da empresa, que permitem uma produção superior a 6,5 milhões de garrafas.

Monverde
Monverde Wine Experience, Quinta de Sanguinhedo, Castanheiro Redondo, Telões (Amarante)
Tel.: 255143100
Das 12h às 14h30 e das 19h30 às 22h
Não encerra
Preço médio: 45 euros

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A vitela assada em forno a lenha é um dos pratos fortes do restaurante Sabores da Quinta, em Molares (Celorico de Basto) Anna Costa

Sabores da Quinta, Celorico de Basto

A escassos cinco quilómetros de Celorico de Basto, na freguesia de Molares, fica o restaurante Sabores da Quinta. A quinta que lhe dá o nome e onde está integrado é a do Campo, propriedade com um bonito solar, com capela datada de 1763. A viagem, por si só, já vale a deslocação, com as serras de Alvão e Marão lá ao fundo e a estrada empedrada quase permanentemente a serpentear entre vinhedos.

A gestão está a cargo de três irmãos, Maria Luísa, Francisco e António Lemos, que há pouco mais de 20 anos resolveram abrir este espaço como uma espécie de homenagem ao pai.

Na cozinha pontifica Pedro Silva, marido de Maria Luísa, que tem na costela mendinha assada em forno a lenha um justificado sucesso. A carta gira muito à volta de pratos da cozinha regional, que vão variando consoante os dias da semana. Com fama há o pernil de porco assado no forno, o javali estufado com castanhas e vários bacalhaus. O que quase nunca varia são as entradas: escabeche de sardinhas, feijocas com mão de vitela, fígado de cebolada. Para final de refeição, as rabanadas de vinho tinto.

Pedro Silva é quem está à frente dos fogões (e dos fornos) do Sabores da Quinta. Anna Costa
O vinho da casa chama-se Dinasta, marca que completou 90 anos em 2021, e é produzido com uvas da Quinta do Campo. Anna Costa
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Pedro Silva é quem está à frente dos fogões (e dos fornos) do Sabores da Quinta. Anna Costa

Para acompanhar estas iguarias os vinhos que têm mais saída são os da gama Dinasta, elaborados na adega própria com uvas da quinta. A marca Dinasta, conta António Lemos, completou 90 anos em 2021 – foi iniciada pelo seu bisavô, Francisco Meireles, com as Caves do Campo, empresa entretanto desaparecida –, mas os 25 hectares de vinha (espalhados por várias propriedades) continuam a produzir uva maioritariamente para venda. A Quinta do Campo limita a sua produção a cerca de 50 mil garrafas, das quais 30 mil de Dinasta Grande escolha, um blend de loureiro, arinto e trajadura. O rosé é feito a partir de uvas vinhão, borraçal e amaral e o tinto de vinhão. Produzem ainda um pét nat (vinho com gás natural) com uvas chardonnay, fernão pires e alvarinho.

Sabores da Quinta
Quinta do Campo, Molares (Celorico de Basto)
Tel.: 965041113
Das 12h30 às 15h e das 19h30 às 23h
Encerra à segunda-feira e ao jantar de domingo
Preço médio: 25 euros

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O restaurante Casa da Calçada é detentor de uma estrela Michelin Anna Costa

Largo do Paço, Amarante

Em Portugal há apenas três restaurantes de quinta galardoados com estrela Michelin e apenas um, o Largo do Paço, fica situado dentro dos limites da Região dos Vinhos Verdes (os outros dois são o Mesa de Lemos, no Dão, e o Esporão, no Alentejo).

Ao leme está Tiago Bonito, que procura fazer uma cozinha genuinamente portuguesa com reflexos de autor e de modernidade. “A minha cozinha é o reflexo da minha infância”, explica o chef. “Cada prato tem uma história, são memórias de sabores que nunca mais vou esquecer.”

O restaurante Largo do Paço faz parte de um conjunto à beira-Tâmega ao qual pertence também o hotel Casa da Calçada, instalado num palácio que teve a sua génese no século XVI, bem como a quinta de onde saem os produtos da horta para a cozinha de Tiago Bonito e que alberga também os 4,5 hectares de vinha que irão produzir o topo de gama Quinta da Calçada. Uma segunda marca, Portal da Calçada utiliza uvas de outras vinhas e também compradas a outros produtores da região de Amarante. No total a produção cifra-se em redor do meio milhão de garrafas, das quais 80% vão para o mercado de exportação. Num total de cerca de 40 castas, a “rainha” é a alvarinho.

À mesa do Largo do Paço, pode-se escolher entre dois menus de degustação dedicados a momentos diferentes da História de Portugal: o “Descoberta”, inspirado na navegação e na identidade portuguesa, o “Lés a Lés”, inspirado na cozinha regional portuguesa e nas vivências do chef. Fora dos menus de degustação, há o serviço à carta com uma dezena de sugestões entre entradas, principais e sobremesas.

O restaurante Canto Redondo é uma alternativa menos sofisticada à sala de jantar principal, com preços mais acessíveis e uma carta mais simplificada, mas com pratos não menos saborosos. É a alternativa para o almoço durante a semana, já que o Largo do Paço só serve jantares.

A garrafeira guarda cerca de 400 referências, sendo que 30 são de vinhos da região. A mais pedida pelos clientes, segundo o escanção Luís Moreira, é o Douro, no entanto “a procura pelo Vinho Verde tem subido muito”, afirma.
Para hóspedes e clientes estão disponíveis diversas alternativas de provas de vinhos e visitas à adega e às vinhas, que complementam muito bem os prazeres proporcionados pela excelente cozinha servida no Largo do Paço.

Largo do Paço
Casa da Calçada, Largo do Paço, 6, Amarante
Tel.: 255410830
Das 19h30h às 22h30
Encerra ao domingo e à segunda
Preço médio: 140 euros
O Canto Redondo funciona todos os dias, abrindo às 12h30 (preço médio: 40 euros)

Os pratos representam "memórias de sabores". Serve de exemplo o bacalhau à Brás reduzido a um pequeno “croquete”, servido em jeito de amuse-bouche. Anna Costa
“A minha cozinha é o reflexo da minha infância”, explica o chef Tiago Bonito. Anna Costa
Borrego confitado em gordura de borrego, queijo terrincho, óleo de hortelã, puré de ervilhas e batata Anna Costa
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Os pratos representam "memórias de sabores". Serve de exemplo o bacalhau à Brás reduzido a um pequeno “croquete”, servido em jeito de amuse-bouche. Anna Costa

Este artigo foi publicado no n.º 6 da revista Singular.

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