Em Porto Covo, abriu a Villa Saudade: um alojamento com consciência ecológica e raízes na Ilha do Príncipe
Estrela Matilde, Fernando Camacho e o pequeno Joaquim vivem a mais de quatro mil quilómetros de distância, mas abriram um alojamento local em Porto Covo, onde foram postas em prática ideias simples que podem fazer a diferença.
Esta família nasceu literalmente no paraíso — a frase é deles, mas nós assinamos por baixo. Estrela Matilde e Fernando Camacho conheceram-se na ilha do Príncipe, onde nasceu o Joaquim, hoje com três anos, e onde começou o percurso por uma vida com menos impacto no planeta. “Foi aí que compreendemos o quanto cada uma das nossas acções individuais têm impacto e o quanto o nosso papel como consumidores pode fazer a diferença na mudança que queremos ver no mundo.” Vai daí, e pelo meio de muitos projectos e de ideias simples, foi semeada a Villa Saudade, que se assume como muito mais do que um alojamento local.
Rua Praia da Vieirinha, número 15, Porto Covo. Apesar de ficar a cerca de 4500 quilómetros de distância do Príncipe, onde a família reside, a Villa Saudade — “Villa Saudade porque não há palavra mais portuguesa do que esta” — vive com alguns dos princípios fundamentais que, pé ante pé, Estrela, Fernando e Joaquim vão coleccionando, depurando e partilhando com os que, à distância, no mundo real e através das redes sociais, acompanham o seu dia-a-dia no paraíso. “Há de facto muitas variantes e condicionantes e às vezes damos um nó na cabeça a tentar perceber se estamos na direcção certa nas decisões que tomamos enquanto consumidores”, assume o casal que acredita “numa vida reducitarianista” (um conceito que passa por um controlo do consumo global) e por isso pensou a Villa Saudade detalhe a detalhe, história a história, impacto atrás de impacto.
“Optámos por focar as nossas escolhas em produtos produzidos localmente por empresas portuguesas pequenas, de preferência através da reutilização de materiais. A compra de produtos em segunda mão foi também uma das nossas preferências”. Fizeram de tudo, “detalhe mais ínfimo”, para poderem apregoar “sem desperdício”, “sem plásticos”, sem resíduos”, uma cozinha “com menos impacto” (a artesã Teresa Vieira moldou toda a loiça, as toalhas de mesa e panos de cozinha foram comprados em feiras tal como as facas, tachos e panelas, os guardanapos são de pano pela Sampedro, com mais de cem anos de história, e até o faqueiro tem uma história: é português, da Belo Inox, e foi comprado através do OLX a uma pessoa que o tinha ganho no O Preço Certo e que nunca o tinha utilizado).
Os acessórios de limpeza, por exemplo, são de madeira reutilizáveis ou com cerdas feitas de materiais naturais (da Maria Granel), os detergentes são produzidos em Portugal pela Higiguima disponibilizados em embalagens eco-friendly e que além disso não utilizam qualquer matéria-prima de origem animal no seu fabrico. Por aqui, vamos encontrar Bee’s Wraps para embrulhar as sandes, tapetes feitos à mão (em Viana do Castelo pela Teia Atelier) peças de madeira com assinatura de Luís Miguel Vieira, que utiliza madeiras roladas da praia e madeiras de barcos para fazer peixinhos, barquinhos e cabeceiras de cama, colchões cem por cento portugueses (da Colmol, modelo Colchão SSI® Planet, feito a partir de garrafas de plástico recicladas), roupa da cama da Lameirinho e candeeiros feitos à mão por artistas portugueses da Musgo Design.
Quem se interessar um pouco pela vida do planeta, não usará palhinhas, não passará tantas vezes a ferro (a família cerra o punho a favor do movimento #stopironingfortheclimate que é como quem diz “diga sim às rugas") e poderá pôr a leitura em dia na bem composta biblioteca (uns vinte títulos) a propósito de “uma vida desperdício zero”.
A casa dispõe de três quartos (Polvo, Raia e Cavalo Marinho, um deles para os “gaiatos"), uma piscina, que já cá estava quando a família se apaixonou pela casa (não sendo propriamente “um artigo que ande alinhado com a sustentabilidade”, a família orgulha-se de esta ser uma das “piscinas mais sustentáveis do mundo") e, claro, todos os animais de estimação são bem-vindos ("patudos, ou penudos, cascudos ou escamudos").
“Acreditamos que não há escolhas erradas e que cada um de nós deverá, em plena consciência, compreender o que faz sentido na sua vida e, pouco a pouco, ir fazendo as pequenas mudanças que podem ser permanentes. Pretendemos, não só que os nossos clientes tenham uma experiência inesquecível numa das costas mais bonitas do mundo, mas que também tenham a oportunidade de compensar a pegada ecológica das suas férias, através de escolhas mais conscientes e sustentáveis, que contribuam para um mundo melhor.”
Há candeeiros de juta comprados no mercado de Santo André, na primeira quarta-feira do mês, mantas tecidas em Guimarães, candeeiros de ferro, potes e vasos comprados na loja de antiguidades da Minda, em Santiago do Cacém, mesinhas de cabeceira que já foram velhos troncos de madeira, bancas de amanhar porcos talhadas pelo senhor Júlio, de 89 anos, que agora são mesas de apoio nos quartos, e um móvel de televisão feito pela Viga Velha, de Paços de Ferreira, que já foi uma sulipa de madeira dos caminhos-de-ferro.
E na casa-de-banho, já se sabe, escovas de bambu, pasta dentífrica Couto, cotonetes reutilizáveis (já ouviram falar do The Last Swab?), discos de carvão de bambu reutilizáveis, papel higiénico da Renova e até um aparelho depilatório e de barbear em liga metálica sem descartáveis da Bambaw).
Só mais uma achega. Toda a gestão da Villa Saudade é feita também por uma empresa portuguesa, a TalkGuest.
E porque eles não são “radicais”, poderá encontrar na Villa Saudade “coisas que não vieram de produtores locais, que foram compradas em grandes superfícies e que não são nem recicladas nem sustentáveis, e que se calhar vieram embaladas em plástico”. “E está tudo bem. O importante para nós é que a Villa Saudade, tal como a nossa vida, pretende ser uma inspiração, mas também pretende ser verdadeira e realista, dando-vos a conhecer mudanças e sugestões que todos podemos fazer no nosso dia-a-dia, pouco a pouco, uma de cada vez.”