No meio de tanto festival, é a festa da aldeia quem toca mais alto
Durante a noite, a mesa de matraquilhos não tem descanso, mas não está sozinha no centro da festa. Enquanto uns dançam a valsa ou vivem o bailarico ao som das músicas que todos sabemos, outros desafiam-se no “jogo do prego”.
Nunca o primeiro fim-de-semana de Setembro foi tão caoticamente intenso ao nível de atracções culturais fortemente “instragamáveis”: primeira edição de sempre do Meo Kalorama, a Noite Branca de Braga, que na verdade eram três, tal como os dias que marcam o “último grande festival de verão”, o Festival F. Opções não faltavam, mas a escolha era fácil: A festa da aldeia é sempre no primeiro fim-de-semana de Setembro.
Voltar é a palavra certa, e nada tem a ver com o voltar às festas que a pandemia cancelou. Voltar à festa da aldeia é voltar atrás no tempo, onde até os telemóveis se esquecem de aparecer. Na aldeia, onde o ar é mais puro, festeja-se como se fosse 1991, sem a consciência ambiental que os copos de plástico podem ser reutilizáveis, onde a carne ainda é o rei ditador da ementa que tem a sueca como rainha dos jogos de sábado à tarde.
Durante a noite, a mesa de matraquilhos não tem descanso, mas não está sozinha no centro da festa. Enquanto uns dançam a valsa ou vivem o bailarico ao som das músicas que todos sabemos, outros desafiam-se no “jogo do prego”. Em 2022, só uma aldeia pode ter um jogo tão inocente que, na cidade, rapidamente se transformaria num título trágico de uma qualquer capa de jornal. Ou melhor, um título que rapidamente causaria likes de revolta e comentários de indignação.
Um jogo tão simples, mas tão eficaz, que já merecia uma música popular. “Os meninos à volta da madeira / Vão aprender a martelar pregos gigantes / Vão aprender como se monta uma cadeira / Vão saber o que custou montar as estantes”. É muito improvável que Paulo de Carvalho queira cantar esta versão da sua canção, mas é bonito ver como um tronco de madeira, um prego e um martelo nos fazem voltar a uma diversão que não provoca miopia. Pode provocar muitas outras coisas, porque os pregos ainda são grandes, mas consegue livrar-nos, ainda que por momentos, da ditadura dos ecrãs.
O sucesso do jogo é inegável e, na segunda noite de festa, os pregos esgotaram. Ficam as memórias de uma noite bem passada e uma leve dor no cotovelo para os mais desajeitados. “Quem perde, paga” — e é assim que o jogo termina, com sorrisos e imperiais oferecidas por quem precisa de martelar mais em casa.
São três dias de festa, onde a nostalgia bate forte. Tão forte que desliga o chip ambiental que vive em mim tão aceso e acelerado como a vida na cidade. Mas para quê acelerar quando aqui se vive tão devagar? A música pimba é a banda sonora da natureza que desconhece as sirenes que gritam no silêncio da noite, as estrelas ainda brilham e a selva não é de prédios, mas sim de pinheiros e eucaliptos teimosos que resistem à tentação de arder neste Verão.
Entre primos e amigos, todos tinham um ou outro concerto, teatro ou evento onde queriam estar antes de saber que a festa ia voltar. Mas estávamos lá todos, como sempre, como antigamente, como se pouco ou nada tivesse mudado. O meu plano B era Londres, no concerto de tributo ao Taylor Hawkins, mas como podia recusar uma viagem ao passado que sempre me conheceu tão feliz?
“O primeiro fim-de-semana de Setembro será sempre teu, Vale D’ Urso”, penso eu, enquanto me cruzo com a placa que dá nome à aldeia que me viu nascer, mesmo tendo eu nascido em Lisboa. Saio de um fim-de-semana de festa feliz com a certeza de que para o ano há mais. Mais imperial. Mais pregos, Mais diversão. Mas menos plástico, pode ser?
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