Compensação fiscal pelo “travão” à subida das rendas não abrange todos os contratos

Medida do Governo de limitar actualização das rendas a 2% “é mais um sinal ao mercado de que em qualquer altura as regras podem mudar”, diz a Associação Lisbonense de Proprietários.

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Despesas com habitação pesam significativamente no orçamento das famílias Rui Gaudencio

A promessa de compensação fiscal aos proprietários, na sequência da limitação da actualização das rendas em 2023, levanta “muitas dúvidas” à Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), dada a especificidade de alguns contratos ou programas de arrendamento, a que proposta de lei do Governo, já entregue no Parlamento, não dá resposta.

Está em causa a limitação do aumento das rendas a 2% em 2023, em lugar de uma subida de 5,43% que resultaria da aplicação automática decorrente da evolução anualizada da inflação (sem habitação) até Agosto, cujo valor final será conhecido nos próximos dias (sem se esperar grande alteração).

A limitação, que faz parte de um conjunto de oito medidas de apoio às famílias pela subida da inflação, não se aplica a contratos de arrendamento anteriores a 1990, nem aos que foram realizados no corrente ano, de acordo com a proposta do executivo. A compensação nos contratos abrangidos será automática, não sendo necessário qualquer acto por parte do proprietário.

Entre as dúvidas da associação está a forma como será garantida a compensação aos proprietários que colocaram imóveis no programa de arrendamento acessível, que, por esse facto estão isentos de IRS, adiantou ao PÚBLICO Diana Ralha, directora da ALP. O diploma do Governo nada refere sobre esta matéria, e, questionado pelo PÚBLICO, o Ministério das Finanças não esclareceu, até ao momento, se aqueles proprietários estão definitivamente excluídos da medida que pretende garantir o mesmo rendimento em 2023.

Outra dúvida da ALP, a que o gabinete de Fernando Medina também não respondeu, prende-se com a forma de compensação no caso dos proprietários com rendas muito reduzidas que optam pelo englobamento dos rendimentos, uma situação que também não está contemplada na proposta de lei.

Ficará salvaguardada, no entanto, a compensação aos proprietários que aderiram ao programa de arrendamento de longa duração, que beneficiam de taxas de tributação mais reduzias. Assim, para cada taxa de imposto especial aplicável, que varia de 10% a 26%, a proposta do Governo define um coeficiente de apoio que garante o diferencial entre o aumento da renda a aplicar em 2023, de 2%, e o que resultaria da actualização automática, de 5,43%.

Contudo, a ALP defende que a compensação de rendimento aos proprietários não deve ser vista apenas para 2023, uma vez que o menor aumento actual deduz o impacto de aumentos futuros. Ou seja, se a actualização fosse feita pelos 5,43%, as rendas subiriam para um patamar mais elevado, sendo sobre esse valor que incidiram os futuros aumentos, destaca a directora da ALP. “Trata-se de uma diferença de 3,43% de aumento que é anulado para sempre”, referiu a responsável.

“O travão do Governo prejudica os proprietários e o mercado de arrendamento como um todo, porque as regras estão sempre a mudar”, sublinha Diana Ralha, considerando que “com o aumento automático estava em causa um impacto de cerca de 20 euros mensais na grande maioria dos contratos de arrendamento existentes em Portugal, existindo outras formas de compensar as famílias sem alterar as regras do mercado”.

A responsável lembra ainda que há um conjunto de contratos com rendas congeladas até Maio de 2023, onde não tem sido possível fazer actualização, e teme que “esse prazo possa não ser respeitado novamente”.

Com o travão às rendas, o aumento não poderá ultrapassar os dois euros por cada 100 euros de renda, significativamente abaixo dos 5,43 euros que resultariam sem a intervenção do Governo.

A limitação dos aumentos é igualmente criticada pela Associação Nacional de Proprietários (ANP), que considera que o Governo faz “tábua rasa da lei que instituiu o coeficiente anual de actualização das rendas, aplicado desde há 40 anos, por vezes com valores muito superiores aos legais 5,43% referentes à inflação verificada até 31 de Agosto deste ano”.

Em declarações à Lusa, a associação dos proprietários considerou que a medida “esmaga os pequenos proprietários (…) impedindo-os de repor uma parte dos rendimentos necessários para solver contribuições, impostos, taxas, seguros, despesas com iluminação, elevadores, limpeza da escada, porteiro, reparações e outros encargos com a conservação e manutenção dos imóveis, que não param de aumentar de forma galopante”.

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