Disputas e transformação na América Latina

Chile e Bolívia ou Colômbia e Brasil são exemplos de uma nova era de mudança, mas também de duas vias distintas para alcançar um mundo mais justo.

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Brasil Reuters/RODOLFO BUHRER

A América Latina borbulha mais uma vez numa profusão de conflitos políticos, disputas internas para transformar a sociedade. Todavia, não são as revoluções a avançar neste território, mas sim processos institucionais, despontados por intensas mobilizações populares. Chile e Bolívia ou Colômbia e Brasil são exemplos de uma nova era de mudança, mas também de duas vias distintas para alcançar um mundo mais justo.

No Chile, o estallido social abriu caminho para uma Primavera de renovação na política chilena, culminando na redacção de uma nova Constituição que será plebiscitada no próximo dia 4 de Setembro. Contudo, a divergência permanece e o destino do novo texto constitucional parece incerto. O rechazo aparece como resultado mais provável após a votação, desmanchando as esperanças de um Chile mais social, feminista e plurinacional, e mantendo presente o fantasma do pinochetismo.

A Bolívia pode servir de espelho para o futuro do Chile, um reflexo conturbado das transformações profundas despertadas por uma nova Constituição. Em 2009, a proclamação de uma república plurinacional alterou fundamentalmente a geometria do poder político, e os povos originários conquistaram predominância na vida política boliviana.

De qualquer modo, o caminho para a Constituição, e o próprio texto constitucional, simbolizam um tempo de mudança, transformação e revolta contra os poderes económicos e políticos instalados. Hoje, os povos latino-americanos reclamam por independência novamente, e os chilenos embarcam nesta tortuosa jornada para construir um novo Estado, um novo instrumento para representar e exercer a vontade popular.

Também no Brasil a disputa política domina o debate público, estando este país próximo das presidenciais mais importantes da sua história recente. Segundo sondagens recentes, o ex-presidente Lula apresenta uma clara vantagem sobre os restantes candidatos. A Primavera volta ao Brasil e o ex-chefe de Estado petista representa nitidamente o espírito desta época, marcada pela conciliação e reforma.

A esquerda brasileira também equaciona a possibilidade de abertura de um processo constituinte, porém esta discussão não aparece realçada nos discursos de Lula. O ex-chefe de Estado é um irremediável conciliador, um reformista inconformado, que diante de uma grande crise institucional não procura refundar as instituições, radicalizando a sua política. Lula quer recuperar a legitimidade e institucionalidade da democracia brasileira, destruída por Bolsonaro.

O candidato do PT assemelha-se a Gustavo Petro, o actual Presidente da Colômbia. Como Lula, o incumbente colombiano procura fomentar acordos e construir um capitalismo socialmente mais equitativo, sem alterar na essência a estrutura do poder político.

Os processos constituintes na Bolívia, e agora no Chile, ressaltam o ressurgimento de um intenso combate ideológicos, porém, a situação no Brasil, ou Colômbia, não deixa de adensar o clima político, a disputa para moldar a sociedade e o Estado. Hoje, a América Latina volta a ser palco de uma violenta e transformativa luta ideológica.

Para a Europa, mas sobretudo Portugal, este confronto latino-americano deve servir para repensar a política, compreender as limitações do presente sistema político e avaliar as necessidades de transformar as velhas instituições do continente europeu.

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