MP aguarda autópsia de bebé para investigar causas da morte no hospital das Caldas da Rainha
Dois meses e meio passaram desde que o inquérito judicial foi aberto em 13 de Junho. Funcionária do atendimento, médica-assistente, directora clínica e conselho de administração do hospital, bem como a ARS de Lisboa e Vale do Tejo deviam ter agido de forma diferente, concluiu recentemente a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde.
O inquérito aberto em Junho às circunstâncias em que morreu um bebé no Hospital das Caldas da Rainha, quando o serviço de urgências de Obstetrícia estava encerrado por falta de especialistas, aguarda o resultado da autópsia médico-legal determinada pelo Ministério Público (MP).
A informação foi avançada ao PÚBLICO pelo gabinete de imprensa da Procuradoria-Geral da República, depois de na sexta-feira a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) ter tornado públicas as conclusões da sua investigação à sucessão de eventos que levaram ao desfecho trágico na madrugada de 9 de Junho.
Quando, nessa noite, a grávida se dirigiu ao hospital onde entrou em trabalho de parto, o serviço de urgência de obstetrícia estava encerrado por falta de médicos.
Nestas circunstâncias, e quando a mulher chegou ao hospital “entre a 1h e a 1h15 a sua inscrição foi recusada por uma trabalhadora da carreira geral de assistente técnico a desempenhar funções na admissão de utentes no serviço de urgência” que não encaminhou a grávida para o médico que estava de serviço como ‘chefe de banco’ para que fosse feita “uma avaliação do estado clínico da utente”.
A mulher só foi admitida e observada no serviço de urgência depois de “uma intervenção de profissionais do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), realizada à 01h44 junto desse responsável”.
Também a médica que mais tarde assistiu a grávida é visada, uma vez que a sua actuação “é susceptível de ter violado os seus deveres funcionais”. A IGAS não esclarece quais. Diz apenas que esta constatação resulta de uma “perícia realizada por um médico especialista” nomeado pela entidade. Contudo, ressalva que da sua investigação não pode concluir-se “de forma clara e segura, pela existência de possível nexo de causalidade entre a actuação da médica assistente hospitalar e o desfecho que veio a ocorrer”.
Processos disciplinares
Além de instaurar um processo disciplinar à trabalhadora do atendimento que recusou a inscrição da grávida, a IGAS recomenda ao hospital que faça o mesmo relativamente a esta médica, uma vez que, pela natureza do vínculo (de contrato individual com o hospital) aquele organismo não tem competência para o fazer.
Entre outras coisas, a inspecção também concluiu que o conselho de administração do Centro Hospitalar do Oeste tinha conhecimento da insuficiência de médicos, mas não elaborou “um plano de contingência” que garantisse o funcionamento do serviço, não definiu “uma estratégia de comunicação interna” nem comunicou à população a existência dessas restrições de modo a que as utentes não se dirigissem para o hospital entre a manhã de dia 8 de Junho e a do dia seguinte.
Ao elencar o que falhou num contexto de falta de especialistas para completar a escala de serviço, a inspecção também descreve a existência de falhas na comunicação da directora clínica. “Enquanto responsável pela coordenação da assistência prestada aos doentes e a qualidade, correcção e prontidão dos cuidados de saúde, [a directora clínica] não só não definiu procedimentos de actuação claros, como emitiu orientações contraditórias relativamente à admissão e triagem”, lê-se na nota. Além disso, “não deu o devido conhecimento destas orientações a todos os trabalhadores afectos ao serviço de urgência, designadamente ao ‘chefe de banco’.”
Vários níveis de responsabilidade
A atestar falhas em diferentes níveis de responsabilidade na sucessão de eventos até à morte do bebé, a IGAS refere ainda que a própria a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo deveria ter agido de outra forma: embora tenha feito diligências para suprir a insuficiência de médicos da urgência de Ginecologia e Obstetrícia – situação que lhe fora transmitida pela presidente do conselho de administração em 3 de Junho de 2022 – “não procedeu à análise dos planos de contingência para garantir que os mesmos estavam elaborados de acordo com o previsto para as redes de referenciação”.
O conselho de administração do Centro Hospitalar do Oeste confirmou, depois do sucedido, que nas datas referidas tinha determinado “o encerramento da referida urgência após a definição de circuitos de referenciação de doentes com outros hospitais” mas considerava não existir “nenhum nexo de causalidade estabelecido entre a morte do bebé e as limitações no preenchimento das escalas”, acrescentando que tinha vindo a envidar “todos os esforços para contratar profissionais necessários para providenciar a resposta necessária à população”.