José Maria Pimentel sobre o podcast 45 Graus: “Digo, a brincar, que é uma espécie de engate intelectual”

Podcast 45 Graus começou em 2017 para responder à curiosidade do autor sobre vários temas. Mais de 120 episódios depois, conversas mais interessantes passaram este ano a livro. Ouvintes podem sugerir temas e convidados a cada edição.

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José Maria Pimentel iniciou o podcast 45 Graus em Outubro de 2017 Nuno Alexandre

És fã do Ricardo Araújo Pereira e gostarias de conversar com ele duas horas? E se depois disso conseguisses que o José Milhazes respondesse às tuas dúvidas sobre a guerra na Ucrânia? Há cinco anos, José Maria Pimentel viu a criação de um podcast como a maneira mais eficaz de concretizar estes desejos e saciar a curiosidade nas mais áreas de interesse. Pegou num microfone e lançou os primeiros episódios para a Internet: conseguiu fidelizar ouvintes a cada nova conversa, transformando o projecto num podcast – convertido recentemente para livro – ​de sucesso.

“A um nível mais inconsciente, percebi que era a maneira que eu tinha para conseguir falar com pessoas interessantes. Às vezes, em jeito de brincadeira, chamo-lhe uma espécie de ‘técnica de engate intelectual’. Não vais dizer a alguém que gostavas de falar meia hora simplesmente porque a achas interessante, seria uma coisa bastante estranha”, explica, entre risos, o podcaster de 35 anos.

O 45 Graus – inserido na rede de podcasts do PÚBLICO – começou em Outubro de 2017: num ambiente descontraído e sem constrangimentos de tempo, José fala com convidados das mais variadas áreas, num leque variado de convidados que podem ir da política à filosofia.

Ao longo de 90 minutos – mais coisa menos coisa, dependendo da fluidez da conversa – o autor tira as suas dúvidas e dos ouvintes. Por vezes, é a própria audiência a desafiá-lo com sugestões de episódios. Aventurando-se algumas vezes por terrenos longe de área de formação, não esconde algum receio e dúvidas na hora de receber certos convidados.

“Algumas vezes, as pessoas sugerem-me temas que eu acho que não domino bem. Tenho um papel mais activo enquanto anfitrião e é um bocadinho convencido da minha parte – presumo [a cada episódio] que consigo ser um interlocutor interessante e à altura do convidado para esses assuntos. Há temas que me desafiam mais: saúde mental, por exemplo. Leste sempre alguma coisa sobre o assunto, mas é um tema para o qual não gravitaria em condições normais. Mesmo dentro da política, não conhecia bem o tema da descentralização e tive de me esforçar em explorar”, explica.

Um dos princípios que norteia as conversas no 45 Graus é o de que a discussão de temas complexos não precisa de estar reservada aos especialistas. Uma ideia agora transposta para o livro Política a 45 Graus, obra editada em finais de Abril pela Bertrand, que junta às conversas uma reflexão crítica do autor sobre os vários temas abordados no podcast.

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José tem 35 anos e tem uma carreira no sector financeiro Nuno Alexandre

“Acho que é possível escrever sobre temas complexos de maneira clara. Se transmitires toda a informação e não presumires que o leitor sabe ‘X’ ou ‘Y’ – um erro que se comete muitas vezes – ou, sobretudo, se não quiseres impressionar o leitor com a tua exuberância estilística ou conhecimento, a verdade é que é possível escrever sobre qualquer tema de maneira inteligível e que as pessoas possam ler. Independentemente de o tema ser mais ou menos denso, podes ler escrever sobre ele de maneira clara e que seja agradável de ler, foi esse o meu objectivo”.

“Existe algo para lá do que é dito em casa”

No seio familiar, a política era um dos temas na ordem do dia. A mãe, jurista de profissão, e o pai, especialista em História da Arte e professor universitário, liam, falavam e estudavam abundantemente estes temas em casa, captando a atenção de um adolescente perspicaz na hora das refeições.

“A primeira inquietação que me lembro de ter sobre política foi quando comecei a discutir o tema com amigos e a ‘papaguear’ o que ouvia em casa – e me parecia óbvio. Eles, de repente, tinham uma ideia diferente e eu não estava à espera disso. De repente és confrontado com o facto de que existe algo para lá do que te é dito em casa, que as coisas não são assim tão simples. Esse é o embate inicial e é daí que vem a minha curiosidade e a vontade de tentar – dentro do possível – conciliar as visões e perceber que há verdades do outro lado. A pessoa – ou os pais – não eram burras por pensar assim, tentava tirar o melhor dos dois mundos.”

Ainda no secundário, juntou-se a um grupo de colegas e participação na fundação de um blogue no qual se discutia maioritariamente política. As tardes e fins-de-semana passavam-se ao teclado, na era dourada dos blogues em Portugal.

“Era uma coisa de descoberta. Não diria que era infantil, mas mais imaturo. Estávamos a descobrir-nos e fazíamos as coisas típicas de miúdos daquela idade de ‘testar o terrenos dos grandes’. Depois a coisa foi crescendo e em certa altura – já todos na faculdade – tínhamos uma relação com blogues mais conhecidos e posts cruzados. O blogue do Daniel Oliveira punha uma ligação nossa e nós ficávamos contentíssimos, claro.”

Dez emails começaram tudo

Apesar do interesse pela política, decidiu escolher Economia na faculdade – seguindo actualmente carreira no sector financeiro e leccionando no ISCTE. Há quase cinco anos, tomou a decisão de aventurar-se no mundo dos podcasts, formato que, no final de 2017, começava a ser conhecido em Portugal.

“Uma das coisas explica o sucesso dos podcasts é ser verdadeiramente fácil de começar. Vês na Internet o que tens de fazer, tens de ter um sítio para alojar, depois o equipamento. Quando comecei, pensei na dificuldade em chegar aos convidados, até porque não tinha nada para mostrar. Enviei dez emails iniciais para personalidades que me pareciam interessantes e tive três ou quatro respostas. O que não é mau, ter 30% ou 40% [de feedback]. Entre os que responderam estavam José Milhazes e Esther Mucznik”, relembra, confidenciando que, com grande probabilidade, o 45 Graus foi o primeiro contacto de vários convidados com podcasts.

O grande salto nas visualizações aconteceu com o surgimento da rubrica “Orientações Políticas”, na qual participaram nomes como Mariana Mortágua, Ricardo Araújo Pereira, Francisco Mendes da Silva, entre outros. José Maria Pimentel nota que já são muitos os convidados que, além de conhecerem o podcast, são ouvintes assíduos, facilitando o trabalho de recrutar mais nomes para a longa lista de episódios.

“Quando as pessoas ouvem é óptimo: têm gosto em vir, sentem-se lisonjeadas pelo convite e sabem como funciona. O 45 Graus tem um estilo peculiar.... Não é bem uma entrevista e a ideia é a pessoa estar distendida para poder falar à vontade dos temas. Não tem de debitar informação como acontece numa entrevista normal na televisão.”

Depois de uma pausa em Agosto, o 45 Graus regressa em Setembro. A cada duas semanas – ou menos do que isso, se a conversa for dividida em duas partes – há episódio novo. Pode ouvir no site oficial, aqui no PÚBLICO ou então nas plataformas habituais.

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