Museus de tudo e de nada

Quantos museus têm um regulamento interno que define cabal e claramente o seu conceito e o seu objectivo? Que defina os recursos permanentes necessários para os cumprir? Que, em virtude disso, vá oxigenando as capacidades técnicas do seu pessoal com planos de formação?

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Daniel Rocha

O ICOM (Conselho Internacional de Museus) aprovou recentemente a nova definição de “museu”, onde torna naturalmente a inserir terminologias subjectivas como a acessibilidade, a inclusão, a diversidade e a sustentabilidade. Até aí tudo bem, pois a envergadura da polissemia dos museus é interminável. Há museus de tudo. E ainda bem. O que é perigoso é termos museus para tudo.

Recentemente, duas referências nacionais da Museologia – pelo menos é estatuto que eu lhes reconheço – vieram a público comentar os (maus) caminhos a que temos chegado, em matéria de Gestão Museológica. Pelas opiniões proferidas, constatamos que há falta de trabalhadores nos museus, que há novas categorias de funções altamente proletarizadas e precárias, não há passagens de serviço porque os quadros de pessoal envelhecem, entre outros dilemas ditos “estruturais”. Nada de novo e inevitável, sobretudo à falta do essencial – o conceito.

Ora, a dita “sustentabilidade” deve partir do princípio de que qualquer equipamento cultural tem recursos limitados e deve orientá-los, o mais eficaz e eficientemente. Caso contrário, não é “sustentabilidade”. O problema está na questão do “para onde e para quê?”. É algo que acontece sistematicamente em museus e monumentos, nomeadamente tutelados pelo sector público – raro é quem sabe para onde vai. E mais escasso ainda quem sabe porquê e para quê. Tudo se assume temporário e nada parece ser permanente, qual fio condutor.

Enumere-se: quantos museus têm um regulamento interno que define cabal e claramente o seu conceito e o seu objectivo? Que defina os recursos permanentes necessários para os cumprir? Que, em virtude disso, vá oxigenando as capacidades técnicas do seu pessoal com planos de formação?

A consequência mais grave é que, quando mudam as direcções e orientações, o conceito base lá muda também, porque não se revestiu de uma forma permanente. Mas os recursos acabam sendo os mesmos. E o pessoal lá vai degenerando negativamente a sua polivalência.

Para além disso, assistimos a um sistemático aproveitamento ideológico, político e não raras vezes pessoal destas estruturas, que de forma galopante se vão transformando em suportes em vez de objectos. Descaracterizando o seu conceito. Porque na verdade o conceito não está definido, muitas vezes por razões de uma pretensiosa concretização da pretensa “atracção de novos públicos”.

Por palavras mais lineares, não podemos andar, numa base regular, a pôr bife do lombo no menu de um restaurante vegetariano ou desvirtuar o seu conceito com a desculpa da “atracção de novos públicos”. Provavelmente não sai ao ponto porque o chef que foi contratado se especializou, e bem, em húmus de leguminosas ou salteados de tofu. Defraudado e desvirtuado o conceito, acaba-se, na vez de atrair quem não vem, reprimindo quem frequenta e tem uma determinada expectativa.

A nova definição de “museu” dada pelo ICOM devia integrar um parágrafo muito claro, logo precedente da determinação de ausência de fins lucrativos: um museu é uma instituição permanente, com conceito e objectivos definidos.

Precisamos, para os museus e monumentos, de definir tanto quanto divagamos. De restringir objectivos tanto quanto queremos ser inclusivos. De profissionalizarmos o quadro de pessoal tanto quanto queremos incluir as comunidades. E isto faz-se com um regulamento que integre as linhas específicas da missão do museu ou monumento, sem prejuízo, naturalmente, de garantir sempre a variação disruptiva. Porém, assumamos claramente o que queremos do museu e como o vamos conseguir – com verbos de procedimento e atitude.

Porque se continuarmos a ter os museus para tudo, brevemente teremos museus de nada.

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