Fotografia
A despovoada, bela e bravia Castro Laboreiro vive no passado à espera do fim
O projecto Boca Negra resulta de sete anos de visitas de Albano Rodas a Castro Laboreiro, a remota e agreste aldeia minhota onde nasceu e onde ainda vive a sua avó. “Os homens emigravam e deixavam para trás mulheres de traje negro, que cuidavam dos filhos, dos animais, das colheitas.” E do contrabando.
A mais de mil metros de altitude, nas insulares e agrestes montanhas do Alto Minho, está plantada a aldeia de Castro Laboreiro, conhecida pelos seus poucos habitantes como “Boca Negra”. “Dizem os mais antigos que esse nome tem origem na cor negra da boca do cão de Castro Laboreiro”, conta ao P3 Bruno Fernandes, o fotógrafo também conhecido como Albano Rodas, que há 33 anos nasceu nesta aldeia raiana, pertencente ao concelho de Melgaço.
Nas imagens produzidas pelo castrejo ao longo dos últimos sete anos, uma mulher idosa guia o nosso olhar. “A minha avó Maria tem um papel importante no projecto”, refere. “Aos 83 anos, ela vive em função do Sol.” Nos dias longos de Verão, Maria colhe os legumes da horta, passeia o rebanho pelas planícies e, no final do dia, ainda troca umas palavras com os vizinhos, cada vez mais idosos e escassos.
“O Verão também é tempo de almoços de família e de reencontros”, acrescenta. Embora Bruno nunca tenha vivido em Castro Laboreiro, mas sim em Paris, Braga e Porto, é lá que a sua família tem raízes há mais de um século. “A aldeia tornou-se no meu refúgio; a tranquilidade das paisagens fazem-me esquecer o stress da vida citadina.”
Existem apenas 503 habitantes na união de freguesias onde se insere a aldeia de Castro Laboreiro — menos 23,4% do que há dez anos, de acordo com os Censos mais recentes. Mais de metade tem mais de 65 anos, o que faz adivinhar um futuro pouco auspicioso para aquelas povoações.
O despovoamento é a origem de inúmeros desafios para quem permanece na aldeia. Sem gente, “manter tradições, romarias, festas populares” torna-se difícil, refere o fotógrafo residente no Porto, assim como “proteger a biodiversidade da região, a sua fauna e flora”. “Preservar o nosso dialecto, o castrejo [o mais próximo do galaico-português], o nosso cão e todo o património imaterial torna-se impossível, uma vez que é transmitido de geração em geração.” E a falta de serviços públicos, sublinha, que “são cada vez mais raros na aldeia”, só afugenta quem pudesse querer acercar-se.
Os invernos de Castro Laboreiro são longos, escuros e muito frios. “Os habitantes souberam adaptar-se a um território hostil de climas adversos”, garante. Pequena parte da população ainda divide a sua estadia entre brandas e inverneiras, de acordo com as estações do ano. Não é o caso da sua avó Maria, que vive num só lugar o ano todo. “Nos meses frios, passa o tempo na solidão das memórias ao pé da lareira, na companhia do seu único escape, o tricô.”
Maria é apenas uma das muitas mulheres que sobreviveram a um penoso século XX. “Sendo uma aldeia de imigração, os homens saíam para o estrangeiro em busca de trabalho, de algum dinheiro para poderem comprar propriedades, construir casas”, assevera Bruno. Os seus dois avôs viveram em França, deixando sempre as esposas na aldeia minhota. Os pais dos seus avós já eram emigrantes — mas o destino, então, era o Brasil.
As mulheres de Castro Laboreiro viviam sem pais, sem avôs, que não raramente ficavam anos sem regressar. “Deixavam para trás mulheres no seu traje negro, que assumiam todas as responsabilidades: cuidavam dos filhos, tratavam dos animais, das colheitas de Verão, das mudanças de casa entre as brandas e inverneiras.”
Além disso, percorriam quilómetros nas rotas do contrabando, de noite, “a fugir aos guardas fronteiriços, carregadas de bens que compravam em Espanha a um preço mais justo”. “A minha avó é dessas mulheres”, afiança Bruno, orgulhosamente. “Por isso, o destaque do projecto é para a mulher castreja, em geral, pela sua força e pelo seu papel essencial no cuidado familiar.”