Com um terço dos votos contados, MPLA segue destacado na frente

Resultados provisórios dão 60,65% ao partido no poder e 33,85% à UNITA e uma eleição extremamente bipolarizada.

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Com 33,16% dos votos apurados, há uma enorme vantagem ao MPLA EPA/PAULO NOVAIS

A Comissão Nacional Eleitoral divulgou na madrugada desta quinta-feira os primeiros resultados provisórios das eleições gerais de quarta-feira em Angola. Números ainda parciais, tendo em conta que estão escrutinados apenas 33,16% dos votos, mas que dão uma enorme vantagem ao MPLA, o partido no poder, com 60,65%, contra 33,85% da UNITA.

Os primeiros resultados foram apresentados com a sala da CNE no Centro de Imprensa Aníbal de Melo praticamente vazia de jornalistas, quase todos na conferência de imprensa que a UNITA tinha convocado minutos antes para um hotel de Luanda para contestar uma sondagem divulgada pela Televisão Pública de Angola (TPA) que dava a vitória ao MPLA.

Sem responder a quaisquer perguntas e sem se alongar além da leitura das percentagens, Lucas Quilundo, o porta-voz da CNE, referiu-se também aos outros seis partidos, cujas percentagens parecem antever aquilo que já se percebia durante a campanha, a bipolarização acentuada da política angolana, com nenhum dos outros partidos a superar 2%.

Um dia de eleições em Angola que foi “um sucesso retumbante”, como garantiu na quarta-feira o porta-voz da CNE, acabou por findar com uma disputa de números entre os dois principais partidos e com a divulgação da contagem oficial provisória dos resultados a dar a vantagem a João Lourenço e ao MPLA.

Ainda sem saber dos resultados provisórios da CNE, a UNITA convocou uma conferência de imprensa para contestar a sondagem da empresa espanhola Sigmados, divulgada pela TPA ao princípio da noite, e que a oposição contesta em termos técnicos, referindo que o trabalho de campo foi feito em Junho e, além do mais, é ilegal aos olhos da legislação eleitoral angolana que impede a divulgação de sondagens no período da campanha eleitoral.

“O Estado legisla e viola”, disse Abel Chivukuvuku, líder do movimento PRA-JA Servir Angola e candidato a vice-presidente pela UNITA.

A sondagem da Sigmados dá ao MPLA 53,6% e 42,4% à UNITA, deixando a CASA-CE, a terceira força política, com apenas 1,7% dos votos. Um resultado que a oposição contesta de forma veemente, pois a sua contagem paralela das actas sínteses das assembleias de voto lhes dá resultados completamente diferentes, dando-lhe até a vitória à sua frente ampla que se estende à sociedade civil.

Mesmo assim, tal como já garantira o líder da UNITA em entrevista ao PÚBLICO na quarta-feira, Chivukuvuku insistiu que a contestação aos resultados não envolverá violência de nenhuma maneira. “Tem de ser pacífica. Somos todos angolanos, somos todos intérpretes da História de Angola”, sublinhou o candidato a vice-presidente.

Jornada sem incidentes

Foi uma jornada eleitoral de incidentes menores que se ensombreceu com a contestação da UNITA à sondagem e aos resultados provisórios. Porque durante o dia, de “casos”, só uma referência a duas actas eleitorais falsas nas mãos de delegados da UNITA no Bengo, a detenção de inquiridores do movimento cívico Mudei nos municípios do Bungo e Songo, na província do Zaire, no Norte do país, e a presença de agentes da polícia a menos de 100 metros de assembleias de voto (o que é proibido por lei) em Luanda.

Nem mesmo os relatos de eleitores impedidos de votar com bilhete de identidade caducado em algumas mesas, quando a CNE tinha autorizado extraordinariamente que fosse permitido, tendo em conta os constrangimentos dos serviços na actualização dos documentos, tinham servido para afectar a satisfação da comissão.

Tudo isto numas eleições históricas em que os angolanos residentes no estrangeiro puderam votar, pela primeira vez, apesar de ter sido recenseado apenas uma pequena parte do universo de eleitores. Mais de 300 mil eleitores não foram registados, tendo as autoridades angolanas justificado o facto pelas restrições da covid-19. No fim, apenas 22.560 angolanos estavam habilitados para exercer o direito de voto fora do país.

O ex-Presidente de Cabo Verde Jorge Carlos Fonseca, que chefia a missão de observadores internacionais da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), confirmou à TPA que o que tinham visto esta quarta-feira era uma eleição a correr normalmente, apesar de atrasos na abertura de algumas mesas nas assembleias de voto em que estiveram presentes observadores: nas províncias de Luanda, Bengo, Kwanza Sul e Kwanza Norte.

No entanto, o político cabo-verdiano não deixou de lembrar que “as missões de observação são de observação – nós testemunhamos o que podemos ver”. Jorge Carlos Fonseca referiu ainda que o relatório preliminar da observação internacional será divulgado na sexta-feira, depois de os grupos de observadores se reunirem na quinta-feira para compararem avaliações.

Candidatos taco a taco

Os dois principais candidatos à presidência, João Lourenço e Adalberto Costa Júnior votaram cedo com poucos minutos de diferença em dois pontos distintos da capital angolana. O Presidente da República votou nas instalações da Universidade Lusíada, na baixa de Luanda, o presidente da UNITA exerceu o direito de voto no bairro 28 de Agosto, no Nova Vida, município do Kilamba Kiaki, nos arredores da cidade.

Para os dois houve direito a luta jornalística semelhante pelo acesso ao candidato, com batalhas “cotovelísticas” para conquista do melhor espaço, do melhor ângulo e para registar as curtas declarações. Na escola Estrela da Manhã, onde Adalberto Costa Júnior votou, houve até gritos de “apaga essa luz” para um operador de câmara que procurava compensar o mau ângulo para onde o tinham empurrado com iluminação extra.

Mas o diálogo com a imprensa não podia ser mais contrastante: o Presidente foi lacónico, o líder da oposição mais expansivo.

Mostrando o dedo aos jornalistas — o indicador, pintado com a tinta indelével que afere do “exercício de cidadania” cumprido —, João Lourenço afirmou: “Acabámos de exercer o nosso direito de voto, é rápido e é simples.”

Como enfatizou mais tarde a sua candidata a vice-presidente, Esperança Costa, ao referir que este é um momento de “consolidação da paz” e “da democracia”, que permitirá “mostrar ao mundo que Angola está a ganhar muita maturidade neste exercício democrático de Estado de direito”, o cabeça de lista do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) referiu, citado pela Lusa, que com esta eleição todos saem a ganhar: “É a democracia que ganha, é Angola que ganha.”

Longe da baixa, no 28 de Agosto, um bairro de terra batida (musseque) e vielas estreitas onde é muito fácil perder o Norte, Adalberto Costa Júnior foi recebido em clima de euforia pelos populares, pouco habituados à visita de figuras importantes da política nacional, com gritos de “abram alas, abram alas” e “Presidente, Presidente”. Um jovem gravava um vídeo e fazia a locução dizendo que “é uma honra votar na mesma assembleia em que vota o futuro Presidente”.

Ao contrário da mulher, que votou numa assembleia de voto montada no parque de estacionamento de um supermercado, no bairro de classe média alta onde residem, Adalberto Costa Júnior viu-se obrigado a votar numa assembleia de difícil acesso e complicada logística para banhos de multidão.

“Eu fiz a minha actualização [do registo eleitoral] no Nova Vida, percebi que fui deslocado para outro local, fiquei satisfeito, votei aqui no meio do meu povo”, disse Costa Júnior aos jornalistas, dando a entender que a escolha do seu lugar de voto foi tudo menos aleatória.

Incidente

Depois de votar, o candidato da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) foi acompanhar a mulher, Wikstoslavy ‘Slávia’ Costa Júnior, a exercer o seu direito de voto. Manteve-se longe da assembleia, resguardado atrás de um carro, mas alguns populares aproximaram-se para tirar fotografias com o candidato, algo que Adalberto Costa Júnior politicamente se apressou a anuir.

Segundos depois, um homem encorpado, de máscara cirúrgica descartável, vestido com um colete de observador internacional, veio reclamar pelas fotografias e pela produção, por estarem, segundo ele, a perturbar o normal funcionamento da assembleia de voto.

“É contraproducente. É atraente”, disse, num tom que tinha pouco de quem observa e mais de quem ordena. O líder da UNITA resolveu então deixar o parque de estacionamento e atravessar a rua, onde mais populares se tinham juntado para as fotografias, para trocar umas palavras ou só para tocar no candidato da oposição.

Mas o “observador” não desistiu, avançou também para tentar evitar que a cena continuasse mesmo na rua, desatando, aí sim, a indignação do candidato – “vai-me chatear aqui também” –, enquanto um membro da campanha dizia ao homem “ele tira fotos com quem quer, eu sou jurista e não tem nenhuma base legal para o impedir”.

Afinal, o “observador internacional” não era nada internacional, era “angolano mesmo”, como o próprio disse ao PÚBLICO. O colete que induzia em erro, justificou-se, é porque não havia outro. E apontava para a identificação que trazia pendurada ao pescoço e que o creditava como sendo “observador nacional”, de seu nome António da Silva José, em representação da Igreja legalmente reconhecida Assembleia de Deus Pentecostal.

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