O futebol regressou à Ucrânia - e com ele outro exemplo de resistência

Em Kiev, o Estádio Olímpico “apadrinhou” o pontapé de saída da Premier League 2022-23. Um jogo com direito a uma mensagem de Volodymyr Zelensky, numa data de simbolismo acrescido.

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Os jogadores perfilados no círculo central, antes do apito inicial Reuters/GLEB GARANICH

O Estádio Olímpico vazio. A cidade em alerta. Os abrigos preparados para o momento em que as sirenes despertarem. Foi assim, sob a ameaça permanente de ataques militares russos, que o campeonato de futebol da Ucrânia regressou aos relvados nesta quarta-feira. Uma prova de resistência, agora no plano desportivo. Um sinal da normalidade possível em tempo de guerra.

O desporto de alta competição tinha parado em Março. Nesta quarta-feira, coube a Shakhtar Donetsk (clube residente de uma das regiões mais massacradas do território) e Metalist 1925 reactivarem a Premier League ucraniana, com um empate cinzento, sem golos. O resultado, porém, será apenas uma vírgula nesta história de renascimento.

O timing não foi escolhido por acaso. Os jogos que assinalaram o ressurgimento da prova arrancaram no Dia da Independência, numa afirmação de resistência e soberania, mas com os cuidados que se impõem - Kiev proibiu as celebrações públicas da data na capital, num contexto em que se fala insistentemente da possibilidade de uma intensificação dos ataques russos.

Nove meses depois, o futebol voltou. Sem golos no jogo de estreia, é verdade, mas também sem sirenes durante os 90 minutos que durou a partida. E sem facilitismos, ou não estivessem a ser utilizados apenas estádios devidamente preparados com abrigos e sem possibilidade da presença de público nas bancadas.

"Uma grande responsabilidade"

São 16 equipas a competir, a partir de agora, com a delicada missão de, pelo menos durante hora e meia, desviarem (dentro do possível) as atenções da guerra que há meses tomou conta do quotidiano dos ucranianos. E os protagonistas estão preparados para desempenhar o papel.

“Este é o nosso trabalho e interpretamo-lo como uma grande responsabilidade, a responsabilidade de mostrar ao mundo que a vida na Ucrânia não parou”, assinalou o treinador do Shakhtar, o croata Igor Jovicevic, antes do encontro com o Metalist 1925. “O futebol tem impacto em todo o país e nas pessoas que lutam por nós. Isto é muito importante para nós”.

Quando os jogadores saíram do túnel de acesso em direcção ao relvado, fizeram-no envoltos em bandeiras da Ucrânia, antes de se perfilarem para ouvirem uma mensagem do Presidente, Volodymyr Zelensky, através do ecrã gigante do estádio. E foi mesmo um militar ucraniano a dar o pontapé de saída para o jogo.

De resto, a presença de soldados nos estádios será frequente, com a missão de evacuarem o recinto e escoltarem os jogadores, as equipas técnicas e os árbitros até aos abrigos no caso serem activadas as sirenes.

“O nosso objectivo é utilizar os jogos para relembrar ao mundo que isto não acabou e que continuam a suceder atrocidades na Ucrânia”, acrescentou o médio Mykhaylo Mudryk, que, aos 25 anos, já representou todas as selecções da Ucrânia desde os sub-15.

Dois clubes ainda de fora

Fora do país, Dínamo Kiev (joga esta noite, no Estádio da Luz) e Shakhtar Donetsk (qualificou-se para a Champions e aguarda o resultado do sorteio) já tinham calendário definido. Agora ajudam a relançar a competição doméstica, depois de semanas com jogos de preparação e partidas fora do território.

Um campeonato que, ainda assim, não retorna na máxima força, como se compreende. O Desna Chernihiv, perto da fronteira com a Bielorrússia, e o Mariupol FC, clube-bandeira de uma cidade que está hoje em ruínas e debaixo de controlo das forças russas, estão fora da equação. Mas esta manifestação de esperança continua a ter muitos rostos.

“Nós vivemos para isto. As pessoas merecem ser felizes. Não são más, não são egoístas, não querem nada que não lhes pertença. Estão apenas a lutar por elas mesmas, pelas crianças e pelo seu território”, resumiu o director para o futebol do Shakhtar, e antigo internacional croata, Darijo Srna, à BBC.

A outra face da luta, no campo desportivo, prossegue com mais três partidas hoje, outra na quarta-feira (um jogo foi adiado) e as duas restantes a meio de Novembro, altura em que se completará a 1.ª jornada. Sobressaltos no calendário com pouco significado neste contexto. O futebol está de volta e esse é, também, um sinal de esperança.

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