Porque se tem detectado poliomielite em Londres, Nova Iorque e Jerusalém? E quão perigosa é?

A nível global, já foram registados este ano mais de 230 casos de poliomielite no mundo.

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O Afeganistão é hoje um dos poucos países onde a doença é altamente infecciosa GHULAMULLAH HABIBI/Reuters

A poliomielite, uma doença mortal que pode deixar crianças paralisadas, está a ser detectada em Londres, Nova Iorque e Jerusalém pela primeira vez em décadas, o que tem estimulado a recuperação de campanhas de vacinação.

Uma doença temível

A poliomielite aterrorizou os pais pelo mundo na primeira metade do século XX. Afectava sobretudo crianças com menos de cinco anos e é frequentemente assintomática, mas pode também causar sintomas, incluindo febre e vómitos. Cerca de uma em 200 infecções leva a uma paralisia irreversível e, entre esses doentes, mais de 10% morrem.

Não há uma cura para esta doença, mas desde que foi encontrada uma vacina nos anos 50 do século XX, a poliomielite é completamente evitável. Globalmente, a forma selvagem da doença já praticamente desapareceu. O Afeganistão e o Paquistão são agora os únicos países onde a doença é altamente infecciosa, espalhando-se maioritariamente através do contacto com fezes, e permanece endémica. Mas, este ano, casos importados foram já descobertos no Malawi e em Moçambique – os primeiros nestes países desde os anos 90.

Diferentes estirpes

Há duas formas principais do poliovírus. Além da forma selvagem, há ainda casos raros da que é conhecida como “a poliomielite derivada da vacina”. É esta segunda forma da doença que foi detectada nas águas residuais da capital britânica, Londres, e em Nova Iorque, nos Estados Unidos, que reportou um caso no estado de Nova Iorque. Um vírus geneticamente semelhante foi encontrado em Jerusalém, em Israel, e os cientistas estão a tentar perceber a ligação, referiu a Iniciativa de Erradicação Global da Poliomielite (GPEI, na sigla em inglês).

A nível global, até 9 de Agosto, foram registados este ano 19 casos da forma selvagem do poliovírus e 223 do poliovírus derivado da vacina, de acordo com um relatório do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC, na sigla em inglês), divulgado esta semana. Em 2022, o poliovírus já foi detectado em 15 países, sendo que mais de 90% são atribuídos ao vírus derivados das vacinas, adianta ainda o centro europeu.

Embora a poliomielite derivada da vacina seja praticamente inédita nas localizações acima mencionadas, sabe-se que é uma ameaça – mesmo que rara – noutros países, causando surtos todos os anos, incluindo 415 casos na Nigéria em 2021, por exemplo.

Essa forma do vírus resulta do uso da vacina oral da poliomielite que contém uma forma viva enfraquecida do vírus. Depois de as crianças serem vacinadas, elas expelem o vírus nas suas fezes durante algumas semanas. Em comunidades com menos pessoas vacinadas, isto pode espalhar-se, sofrer mutações, podendo até voltar a ser uma versão mais agressiva do vírus.

Enquanto países como o Reino Unido e os Estados Unidos já não usam esta “vacina viva”, outros ainda utilizam-na – sobretudo para parar surtos –, o que pode possibilitar a disseminação global dessa forma do vírus, particularmente em pessoas que começaram a viajar outra vez depois do começo da pandemia de covid-19, têm sugerido especialistas.

Depois das amostras positivas detectadas em águas residuais em Londres, as autoridades do Reino Unido aconselharam uma dose de reforço da vacina inactivada da poliomielite para crianças entre um e nove anos em todos os bairros de Londres para que se possa assegurar um elevado nível de protecção contra o vírus e limitar a sua disseminação.

Porquê agora

Mesmo assim, os especialistas concordam que o maior contributo para os surtos com a forma derivada da vacina e para os surtos com a forma selvagem continua a ser a população menos vacinada, afirma Derek Ehrhardt, dos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla inglesa) dos Estados Unidos.

A hesitação vacinal foi um problema em crescendo antes da pandemia. Depois, a covid-19 causou mesmo a pior quebra na vacinação de rotina numa geração, de acordo com as Nações Unidas. Em 2020, houve 1081 casos de poliomielite derivada da vacina, o que é cerca de três vezes mais do que no ano anterior. Tem havido, entretanto, grandes esforços para que as campanhas de vacinação voltem em força.

Mas os resultados dos testes em águas residuais são um alerta para os pais e transmitem uma mensagem-chave, de acordo com os cientistas, incluindo David Heymann, epidemiologista na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres: “Protejam as crianças através da vacinação.”