Austrália descobre que ex-primeiro-ministro se atribuiu pelo menos mais cinco pastas ministeriais
Morrison nomeou-se co-ministro das Finanças, da Saúde, da Indústria e do Interior. Para o primeiro-ministro actual, Anthony Albanese, estas acções representam “uma destruição sem precedentes da democracia” australiana.
O ex-primeiro-ministro australiano Scott Morrison atribuiu-se em segredo pelo menos outras cinco pastas ministeriais – as autonomeações incluem o Ministério da Saúde, das Finanças e da Indústria – durante a crise sanitária desencadeada pela pandemia de covid-19, no que o seu sucessor descreve como “destruição sem precedentes do sistema de Westminster” (sistema parlamentar baseado na forma de governo do Reino Unido).
O actual primeiro-ministro, o trabalhista Anthony Albanese, prometeu que vai haver uma investigação, explicando ainda que solicitou aconselhamento jurídico sobre as possíveis ramificações das nomeações secretas, afirmando também estar “aberto a reformas e sugestões” que impeçam a repetição de uma situação destas. Referindo-se às “acções de pacotilha” do seu antecessor, Albanese disse que “as estaríamos a ridicularizar se tivessem acontecido num país não democrático”.
Entre Março de 2020 e Maio de 2021, Scott Morrison nomeou-se para várias pastas ministeriais sem que isso fosse tornado público e, em alguns casos, sem alertar sequer o ministro em funções. Segundo a imprensa australiana, foi designado co-ministro da Saúde a 14 de Março de 2020 e co-ministro das Finanças a 30 de Março do mesmo ano; a 15 de Abril de 2021, passou também a ser co-ministro dos Recursos e da Indústria – a estas pastas, as primeiras reveladas, juntou-se, entretanto, a de ministro do Interior e de chefe do Ministério do Tesouro.
As nomeações tornaram-se públicas depois de dois jornalistas da multinacional de media News Corp terem revelado, durante a promoção do livro que escreveram sobre o anterior Governo, que Morrison tomou posse enquanto ministro da Saúde e das Finanças no início da primeira vaga de covid na Austrália.
Continua sem ser claro quantos postos ministeriais é que Morrison, que ainda é deputado, se outorgou, mas sabe-se que tomou pelo menos uma decisão contrária à do ministro em funções – quando usou o seu poder no Ministério dos Recursos e da Indústria para interromper um importante projecto de gás ao largo de Sydney, no estado de Nova Gales do Sul.
“É extraordinário que estas nomeações tenham sido mantidas secretas do povo australiano pelo governo Morrison”, afirma Albanese, que acusa o antecessor de ter dirigido “um governo fantasma”. Para o primeiro-ministro, estas acções representam “uma destruição sem precedentes da nossa democracia”.
Pedidos de demissão
Morrison defendeu as suas decisões à luz do contexto extraordinário em que foram tomadas, face à pandemia. “Não nos esqueçamos do que se passava há dois anos e da situação com que fomos confrontados, era um período sem precedentes, não eram tempos convencionais”, justificou esta terça-feira, numa entrevista à rádio australiana 2GB.
“Tivemos de tomar medidas extraordinárias para pôr em prática determinadas salvaguardas”, explicou. “Felizmente, não foi necessário que eu accionasse a utilização de nenhum destes poderes”, garantiu ainda, numa publicação no seu Facebook.
A excepção, admite, foi o seu papel enquanto ministro dos Recursos, por ter usado os seus poderes para pôr fim ao projecto gasífero, que contava com a oposição de comunidades locais. “Acredito que tomei a decisão certa tendo em conta o interesse nacional. Este foi o único assunto em que me envolvi directamente neste ou noutro Departamento”, assegura.
A ex-ministra do Interior do seu Governo, Karen Andrews, diz não ter tido conhecimento que Morrison partilhava com ela o seu cargo e pede que o ex-primeiro-ministro se demita do Parlamento (um apelo já feito por vários actuais e antigos dirigentes).
“Não se pode governar em segredo”, disse à rádio ABC Andrews, deputada do Partido Liberal, o mesmo de Morrison. Também o ex-responsável do Tesouro, Josh Frydenberg (que deixou a política quando perdeu o cargo, em Maio), já admitiu não saber que o chefe do governo tinha responsabilidades na sua pasta.
Depois da derrota da coligação conservadora (que juntava o Partido Liberal ao Partido Nacional Australiano) dirigida por Morrison, em Maio, Albanese tomou posse apenas um dia depois de ver confirmada a vitória nas eleições, encerrando quase uma década de governação de centro-direita.