Capão Redondo, na favela onde a vida estoura
São Paulo é a maior cidade nordestina do Brasil, dizem com orgulho os nordestinos que lá vivem. Quatro milhões, megalópole, a maioria vinda nos anos sessenta, migrantes atrás do sonho mas que se viram quase todos confinados à favela. É a cidade com mais favelas do país, entre elas o Capão Redondo, território do rapper Mano Brown, o maior poeta da urbanidade marginal. Estivemos lá, num dia normal.
Do terraço de Emília, o mundo tem duas cores e nenhuma é o preto ou o branco. É o azul de um céu sem nuvens e o tom do tijolo sem reboco de milhares de casas que cobrem cada metro quadrado dos morros a perder de vista. Cada pedaço de chão vale ouro. Não tão reluzente nem tão cobiçado como o de outras partes da cidade, mas ouro para cada uma das pessoas que ali moram. O ouro também entra na equação da contradição. Sejam dez milhões de reais de um apartamento nos Jardins, um dos bairros privilegiados junto à Avenida Paulista, ou 300 mil de uma casa no Capão Redondo. “Na mais rica metrópole, suas várias contradições”, canta o rapper Mano Brown. Ouro para Emília que desce um piso e, da varanda do segundo andar, tem vista privilegiada para os detalhes que a vastidão do terraço não deixa perceber. A rua, com os seus habitantes, a idosa sentada a apanhar o sol de Inverno à porta de um bar vazio, mas que se vai encher à noite com “gente graúda do tráfico”, o rapaz magro que vai à pressa. “Oh, ele, já vai com as latinhas!”, diz Emília para Pedro, que acaba de chegar a casa. “Hoje catou poucas latinhas, não vai dar para muito.” Emília conhece o “consumidor”. Um dos que frequentam a boca de fumo quase em frente, mesmo ao lado do cativeiro, onde quem gere o território castiga os que desafiam as regras “civilizacionais” do morro, regras que correm paralelas, subterrâneas, às do mundo para lá das casas cor de tijolo, e que podem ser de vida ou morte, regras de honra, cumplicidade, verdade, lealdade, honestidade e boas contas.
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