Luís Simões volta a pedalar e a desenhar Portugal: rumo ao interior, “sem mar à vista”
Primeiro, foi o Portugal que “vive” junto das linhas que delimitam o país, agora ruma-se ao interior. Luís Simões e Anisa Subekti voltam à estrada: ele desenha, ela fotografa a viagem: serão 2550 quilómetros em bicicleta e, no final, um livro (que serão quatro). É a Bike & Sketch Tour Portugal.
Nem há 15 dias terminaram os 2866 quilómetros da Bike & Sketch Tour Portugal, e já estão de novo a pedalar nas bicicletas. Por isso, quando lhe ligamos, Luís Simões pede 20 minutos “para chegar ali ao centro”. “Ali ao centro” de Leiria, a primeira ronda, chamar-lhe-emos assim, da “segunda etapa”, como lhe chama Luís, do mesmo projecto – agora, Bike & Sketch Tour Portugal 2022.
Não estava programada: quando ele e a mulher Anisa Subekti saíram de casa a 14 de Junho de 2021, a ideia era passarem os 113 dias seguintes a pedalar à volta de Portugal para registar o país em desenhos. Contudo, na altura, em conversa com a Fugas, Luís já admitia: “Há sempre alterações” - e afinal sobrou um troço do projecto inicial, “entre Aveiro e Alcobaça”, que só se cumpriu numa “mini-viagem”, como descreve no Facebook, em Julho deste ano.
Também confessara: “No fim da viagem é que perceberemos o que queremos fazer” – e foi no final da primeira parte da Bike & Sketch Tour Portugal que tiveram a certeza de que iam escrever um livro, “para inspirar outras pessoas, com desenhos e fotos, criando rotas e conteúdo”. E, com este, veio a “ideia desta segunda etapa”. “Falta-nos conteúdo no interior”, confessa Luís Simões.
Depois de na primeira viagem terem andado a seguir mais ou menos as linhas que delimitam o país, agora partem, então para o interior, para “o miolo”. Resumindo: “Saímos no Oeste, vamos começar a ir para a Lousã, depois Arouca. Seguimos pela zona de Guimarães, Braga, Barcelos até Sistelo, que vai ser o ponto mais alto da viagem. Depois descemos para o Douro até Vila nova de Foz Côa, o ponto mais a Leste. Vamos, então, às Aldeias Históricas e do Xisto antes de seguirmos o Zêzere até ao Tejo. Entramos no Alentejo e vamos para o Algarve, agora as serras. Terminamos em Lagos, onde apanhamos o comboio para casa”.
Quando iniciaram Bike & Sketch Tour Portugal (depois da World Sketching Tour), a viagem de comboio foi de Norte para Sul, de Alcobaça para Vila Real de Santo António. Nessa ponta de Portugal iniciaram a “subida” seguindo a linha de fronteira. “O Alentejo foi a melhor introdução possível”, sublinha Luís Simões, “suave, sem grandes subidas, com pessoas que recebem muito bem e com tempo de sobra para conversar”. E foram as pessoas que mais surpreenderam Luís Simões nesta volta a Portugal.
“Fomos sempre bem recebidos, não tivemos nenhuma dificuldade” – nomeadamente, e esse era um dos receios, com o carregamento das bicicletas eléctricas, muitas vezes dependente da gentileza de estranhos. “Não sabíamos se íamos ter ajuda ou não, mas os portugueses foram simpatiquíssimos, a quererem ajudar. Tanto que Luís abriu uma nova “página” nos seus desenhos: “Às vezes, tínhamos de esperar o carregamento das bicicletas num café pequeno ou íamos a uma localidade que não inspirava”, conta, “então, decidi desenhar as pessoas” – os rostos de quem os ajudou e os outros, os que se aglomeravam curiosos.
À medida que viajaram para Norte, “a exigência física aumentou”, com algumas “montanhas desafiantes”. E mágicas, também. Como o Gerês, de que fala várias vezes, sobretudo de Pitões das Júnias, “aldeia bastante invulgar”. Aliás, se “há sítios em que dá vontade de ficar mais tempo”, refere, esta região é um deles. “Para alguns, três meses na estrada pode parece muito, mas para quem desenha é pouco”, nota. Por um lado, porque nunca se sabe quando será “um momento giro para desenhar”. Por outro, porque algumas vezes a passagem pelos sítios é tão efémera que só há “meia hora para escolher o que desenhar” (“não absorvemos os locais, chegamos e circunscrevemos para perceber o ângulo que quero desenhar”).
Alguns desenhos são evidentes. Como na chegada à Senhora da Peneda: “Íamos pela estrada, a bateria começava a falhar, estávamos com fome”, descreve, “e surge a igreja com a montanha por trás, que se calhar poucos conhecem” - foi uma espécie de momento três-em-um. No Porto, é inevitável “uma vista panorâmica, duas horas, sempre”. Os castelos são muito óbvios, “Almeida, Castelo de Vide, Marvão…”. E Mértola, com a vista aberta que Luís alcançou no final de “um trilho difícil” – e a sensação “não posso sair daqui sem desenhar”.
Depois da chegada ao Minho, o caminho para Sul, sempre com o oceano como horizonte, “foi uma espécie de veraneio”: “Gente na praia, cheiro a maresia, apetecia parar para comer gelados”, brinca. E a chegada a Faro foi “já em fase de descompressão”. “O Algarve não surpreendeu”, afirma, “é muita praia, hotelaria, restaurantes, mas não há muito a identificar os sítios”. “Tirando Faro, Loulé e algumas aldeias”, ressalva, “ao contrário do Norte, onde há castelos, igrejas, trajes…”
E não surpreendeu no sentido do método de trabalho de Luís. Quando chega a um sítio, explica, tem um plano A, “o postal turístico clássico”, e o plano B, “se calhar as traseiras deste”, aquele de que vai à procura para ser surpreendido – pode ser “um arco ou uma bica que só os locais conhecem”, determinada luz ou situação, algo que lhe provoque uma reacção emocional.
A partida foi no dia 1 de Agosto e até final de Outubro vão percorrer 2550 quilómetros em bicicleta, sempre sem o mar à vista até cruzarem a “linha da meta”, em Lagos. Depois será altura de preparação do livro que, se tudo correr como Luís espera, serão na verdade quatro. “Inicialmente, seria apenas um”, explica, “depois pensámos que para a promoção, para conseguirmos trabalhar mais com os municípios, o melhor seria segmentar”.
Norte, Centro, Alentejo e Algarve - quatro regiões para um trabalho a quatro mãos, que incluirá os desenhos do Luís e as fotos de Anisa, textos de visita e outros mais “técnicos” sobre as rotas. O objectivo é que seja (também) um livro muito prático: se alguém quer ir de Bragança a Chaves, exemplifica Luís, encontrará facilmente a rota, com todos os dados a ela relativos, porque, diz, “há cada vez mais pessoas interessadas em fazer percursos de bicicleta, seja num fim-de-semana ou sete dias”; quem tiver um interesse artístico encontrará em cada desenho a indicação da posição exacta em que foram feitos - em princípio, através de códigos QR, que também serão utilizados para as diferentes rotas.
“Os livros são muito apelativos, mas temos de manter-nos actualizados”, afirma Luís, “e as pessoas querem ter acesso a tudo no telemóvel”.