Juíza nomeada por Trump condena invasor do Capitólio a sete anos de prisão: “É a antítese de patriotismo”

Guy Reffitt estava armado e ameaçou “arrastar” a presidente da Câmara dos Representantes para fora do Capitólio. Após a sentença, uma das suas filhas responsabilizou Donald Trump pela invasão e pediu prisão perpétua para o ex-Presidente dos EUA.

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Uma das filhas de Guy Reffitt disse que Donald Trump merece ser condenado a prisão perpétua EPA/MICHAEL REYNOLDS

Uma juíza norte-americana que foi nomeada por Donald Trump, em 2017, para exercer funções no tribunal federal de Washington D.C., aplicou a sentença mais pesada, até agora, nos julgamentos de centenas de apoiantes do ex-Presidente dos EUA que invadiram o Capitólio a 6 de Janeiro de 2021. Guy Reffitt, um cidadão do Texas que esteve na linha da frente do ataque – e que ameaçou os próprios filhos quando estes o criticaram – foi condenado a sete anos e três meses de prisão por sabotar a certificação da vitória eleitoral de Joe Biden.

Reffitt, de 49 anos, radicalizou-se nos meses que antecederam a eleição presidencial de Novembro de 2020, e “acreditava que Trump falava directamente para ele”, segundo o testemunho de uma das suas filhas, Peyton Reffitt. Numa audiência em tribunal que durou seis horas, na segunda-feira, Peyton pediu à juíza Dabney L. Friedrich que fosse menos severa com o seu pai do que os procuradores do Departamento de Justiça, que pediam uma pena de 15 anos de prisão.

“Não era o nome do meu pai que estava nas bandeiras que as pessoas levaram [para o Capitólio] naquele dia. Era o nome de outra pessoa. Ele não era o líder”, disse Peyton, de 18 anos, referindo-se indirectamente a Trump.

À saída do julgamento, a jovem reforçou as críticas ao sistema judicial norte-americano por ainda não ter deduzido uma acusação contra o ex-Presidente dos EUA: “Marcaram o meu pai como se ele fosse uma pessoa detestável, quando há alguém que se calhar vai ser autorizado a candidatar-se outra vez. Se o meu pai merece esta pena, então Trump devia ser condenado a prisão perpétua.”

Entre a noite eleitoral de 3 de Novembro de 2020 e a invasão do Capitólio, a 6 de Janeiro de 2021, o então Presidente dos EUA recusou-se a reconhecer a sua derrota e perdeu todos os processos em tribunal, incluindo no Supremo Tribunal norte-americano, nas suas queixas de fraude eleitoral. No dia da invasão, Trump não deu ordens para que a multidão fosse travada e emitiu uma declaração, ao fim da tarde, a pedir aos seus apoiantes que regressassem a casa, referindo-se a eles como “pessoas muitos especiais”.

Ameaçou filhos

Em Março, Guy Reffitt foi considerado culpado de cinco acusações, incluindo obstrução de um acto oficial do Congresso (a cerimónia de 6 de Janeiro de 2021, que foi interrompida pela invasão do Capitólio) e uso de uma arma de fogo num motim.

Nos dias que antecederam a invasão, Reffitt angariou membros para uma milícia anti-governo conhecida como Three Percenters (uma referência ao mito de que apenas 3% dos antigos colonos lutaram pela independência contra os britânicos); e, no dia 6 de Janeiro de 2021, liderou um grupo que derrubou uma das barreiras policiais que estavam no caminho dos apoiantes de Trump.

Armado com uma pistola e protegido com um capacete e um colete à prova de bala, participou no comício que Trump organizou perto da Casa Branca, na manhã de 6 de Janeiro de 2021, e dirigiu-se ao Capitólio decidido a atacar membros do Congresso. Nas gravações que ele próprio fez, e que partilhou mais tarde com a família, ameaçou “arrastar” para fora do Capitólio a presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, “com a cabeça dela a bater em cada degrau”.

Reffitt, um antigo supervisor de plataformas de extracção de petróleo que ficou desempregado em finais de 2019, foi detido pelo FBI após uma denúncia do seu filho mais velho, Jackson Reffit, hoje com 20 anos. Sem saber que Jackson já tinha alertado as autoridades, Reffitt chegou a ameaçar os seus filhos: “Se vocês me denunciarem, são traidores; e os traidores são abatidos.”

"Ameaça à democracia"

Na segunda-feira, a juíza Friedrich salientou as especificidades do caso de Reffitt que a levaram a aplicar uma sentença pesada – a mais pesada de todas, até agora –, mas que é menos de metade da pena pedida pelo Ministério Público.

Apesar de não ter entrado no Capitólio, Reffitt estava armado e “desempenhou um papel central” no ataque contra uma barreira da polícia, na entrada Leste do edifício, cujo derrube foi fundamental para a invasão que se seguiu. Ao mesmo tempo, a juíza considerou que não há enquadramento legal para o condenar por “terrorismo doméstico”, como era pedido pelos procuradores.

“Nós acreditamos que o que ele fez naquele dia foi terrorismo”, disse um dos procuradores, Jeffrey Nestor. “Reffitt não se limitou a tentar obstruir a acção do Congresso, também ameaçou atacar e substituir os legisladores que estavam no edifício.”

Segundo a juíza, Reffitt “acreditou que ia substituir pela força os legisladores e instalar um novo Governo que seria aprovado por juízes e pela Constituição”.

“Nada podia estar mais longe da verdade”, disse Dabney L. Friedrich, durante a leitura da sentença. “O que ele e outros fizeram é a antítese de patriotismo. Não só não são patriotas, como são uma ameaça directa à nossa democracia, e serão punidos como tal.”

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