Racismo: “Enquanto sociedade não estamos preparados para reagir”

Para a vice-presidente da associação Casa do Brasil de Lisboa, Ana Paula Costa, cabe às testemunhas reagirem perante situações de racismo. No último sábado, os filhos de dois actores brasileiros foram alvo de insultos racistas.

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“Isto [casos de racismo] acontece todos os dias, infelizmente, com pessoas anónimas”, diz Ana Paula Costa em conversa com o PÚBLICO Daniel Rocha (Arquivo)

Os filhos menores dos actores brasileiros Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso foram alvo de insultos racistas, num restaurante na Costa da Caparica, no último sábado. O caso voltou a trazer a questão do racismo para o centro do debate, mas, como nota a vice-presidente da associação de imigrantes Casa do Brasil de Lisboa, Ana Paula Costa, não é uma situação isolada. “Isto acontece todos os dias, infelizmente, com pessoas anónimas”, declara ao PÚBLICO.

Segundo um relatório da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial, houve 436 denúncias, queixas ou participações por discriminação racial em 2019, comparativamente às 346 no ano anterior. Já em 2018, a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) denunciou um clima de tolerância para com o racismo por parte das autoridades. A vice-presidente da Casa do Brasil de Lisboa reforça que, “enquanto sociedade, não estamos preparados para reagir a episódios” de racismo e xenofobia. Urge, por isso, apostar na “educação anti-racista”, considera a também investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI).

Na sua opinião, parte de quem não é alvo dos ataques reagir, prestando apoio à vítima, de forma a “criar uma rede de suporte”. E explica: “É muito importante que toda a sociedade participe da reacção para proteger a vítima de racismo.” No caso de se dar lugar a insultos ou a situações mais graves, recomenda também que se chame as autoridades competentes. O artigo 240.º do Código Penal define a discriminação racial como um crime.

Ao mesmo tempo, nota a investigadora, não se deve exigir de quem sofre de racismo uma resposta, ou determinada reacção. Ana Paula Costa salienta que “a reacção não pode ser confundida com a violência que o racismo traz”. Aponta ainda críticas ao facto de se pôr “a luz sobre a reacção da vítima” em muitas situações.

Quanto ao caso mais recente, não tem julgamentos a fazer: “Ela [Giovanna Ewbank] reagiu como reagiu naquele momento como uma mãe que viu os filhos, duas crianças, a ser alvo de injúria racial.” Como resposta aos alegados insultos racistas dirigidos aos dois filhos, a actriz terá cuspido na cara da suspeita de 57 anos.

Como as visadas eram crianças, para Ana Paula Costa, actos racistas vão acabar por ter grandes implicações na “forma como estas se vêem e como se percebem”. No fundo, “duas crianças foram privadas do seu direito de serem crianças por conta da cor da sua pele”, o que, lamenta, é “muito comum”.

“O racismo é um problema estrutural”

Mas cada caso individual de racismo faz parte de algo maior, considera a vice-presidente da Casa do Brasil de Lisboa. “O racismo é uma questão estrutural, institucional, educacional e individual”, afirma. Apesar disso, reconhece que há dificuldades em “entender-se que o racismo é um problema estrutural”, o que, ressalva, “não é um ataque à comunidade portuguesa”, nem uma tentativa de generalização.

Essa visão do racismo como algo que está implícito no próprio sistema deve-se a um certo tempo histórico, justifica Ana Paula Costa, em que foi feita “uma diferenciação entre pessoas brancas e pessoas negras”. E acrescenta: “O passado histórico construiu a forma como a nossa sociedade é, a forma como pensamos e a forma como vemos o outro.” E aquilo que é estrutural não é visível a olho nu, nem tão pouco sensível ao tacto, mas “está por aí”. Desconstruir aquilo que foi construído por muitos anos implica “mais algum tempo”, salienta.

O racismo e a xenofobia acabam, assim, por traduzir-se em vários situações do dia-a-dia das comunidades imigrantes e das minorias étnicas, como por exemplo “na dificuldade de acesso aos direitos” ou “a serviços”, exemplifica a investigadora.

E no caso dos imigrantes em Portugal, denuncia “vários problemas de integração”, pese embora todas as situações e vivências sejam diferentes. “Há ainda muitas pessoas que não se sentem parte da sociedade portuguesa”, explica, prosseguindo que ainda “há muito preconceito e xenofobia na vida quotidiana das pessoas imigrantes”.

Por detrás, expõe, estão “várias causas históricas, sociais e políticas”. O primeiro passo é reconhecer que o racismo existe, mas também que é necessária uma reflexão sobre o mesmo, aponta. Neste momento, “há muito a ideia de que o racismo é um problema dos outros”. Embora aconteça também em outros países, não deixa de ser “um problema muito grave” em Portugal, alerta a investigadora.

A representante da Casa do Brasil de Lisboa reconhece que Portugal “avançou muito nos últimos tempos em relação ao racismo”, destacando a “vontade política”. Não obstante, a nível social, “a discussão podia avançar mais”. E justifica: “Não consigo ver muitas vezes um diálogo.” A investigadora lamenta que a discussão se torne “muito sentimental e pessoal”. E conclui: “É com conversa e com diálogo que se combate o racismo.”


Texto editado por Bárbara Wong

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