Nas paredes desta aldeia celebram-se os idosos e as suas rugas: são “as pessoas que, afinal, nos construíram”
Exposição de fotografia pelas ruas de Alqueidão da Serra, Porto de Mós, mostra “os rostos, as rugas” de 67 residentes octogenários. Uma homenagem contra o isolamento e a invisibilidade.
Rugas de chorar / Rugas de sorrir / Rugas de cantar / Rugas de sentir. Já assim cantava António Variações (ou, melhor, cantaram-nos os Humanos por ele, que deixou Rugas por gravar). Na paredes de Alqueidão da Serra, Porto de Mós, distrito de Leiria, homenageiam-se agora os “rostos, as rugas” dos habitantes octogenários: são 67 pessoas com ou mais de 85 anos, fotografadas com toda a dignidade do retrato, lembrando que nas suas rugas, agora expostas em permanência, se escondem a sabedoria e toda uma vida de aprendizagem. E esconde-se o muito que ainda têm para dar.
“Gostaríamos que a mensagem transmitida pela alegria da participação destas 67 pessoas pudesse ultrapassar os muros da nossa aldeia e se traduzisse pelo respeito aos nossos mais velhos, pela valorização das suas experiências de vida”, diz Adelaide Cordovil, da associação local que organizou a exposição, Alecrim e Salva, em mensagem à Ímpar.
A mostra, com 20 painéis, tem por objectivo “dar-lhes voz na sociedade actual”, de modo a que esta etapa da sua vida “seja vivida com confiança, alegria e realização pessoal e social”.
O projecto tem por título Dar voz à idade e evidencia “os rostos, as rugas, o aspecto dessas pessoas”, algo que “nem sempre é valorizado”, dizia Helena Batista, presidente da associação à Lusa na apresentação da iniciativa, estreada no sábado. Tudo “pensado para valorizar as pessoas que, afinal, nos construíram, nos criaram no contexto da aldeia”
“Quando olhamos para os rostos dos idosos, aquelas rugas têm um contexto e uma história que deve ser contada”, frisa Helena Batista, admitindo a intenção de “chocar um pouco as pessoas, para as levar a pensar no que valorizarmos hoje em dia. Se calhar, não é o melhor, nem o mais importante. Temos de pensar mais no ser humano”.
A mostra integra retratos captados pela fotógrafa local Ana Rodrigues e foram percorridos os lugares da freguesia, como Casais dos Vales, Covão de Oles, Casal Duro ou Bouceiros.
“Fotografámos todas as pessoas com 85 ou mais anos. Foram muito poucos os que ficaram de fora”, comentou Helena Batista, confessando: “Queremos dizer que apreciamos essas pessoas, as suas rugas, seja lá de que forma for. Acho que isso já aconteceu, porque nos encontros [para as fotografar] notava-se a felicidade por serem convidadas e fotografadas. Sentimos essa alegria e isso, por si só, já está ganho”.
E se começámos com uma canção, rematamos com outra, em dois versos que poderiam ser cantados após vermos estas fotografias vividas, escritos por Caetano Veloso para Homem Velho: “Mas ele dói e brilha único, indivíduo, maravilha sem igual / Já tem coragem de saber que é imortal”.