A carência escandalosa por cuidados paliativos

Os cuidados paliativos enfrentam diversas barreiras à sua integração e reconhecimento como elemento fundamental de uma sociedade desenvolvida, seja pelo desconhecimento sobre o tema ou o estigma a si associado.

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Nelson Garrido

Já não é grande surpresa para ninguém que na Europa, assim como mundialmente — pelo menos no que aos países desenvolvidos diz respeito —, a maioria das mortes acontece em pessoas com idade superior a 65 anos. Ainda assim, deve inquietar-nos como tão pouca atenção é tida para com as necessidades desses mesmo cidadãos nos seus últimos anos de vida, especialmente no que concerne à qualidade dos cuidados de saúde (e não só) que recebem. Todavia, a negligência para com o reconhecimento que os cuidados paliativos têm (ou podem ter) no alívio e controlo do sofrimento, e no respeito essencial para com a dignidade humana, é indubitavelmente algo que nos devia (sociedade civil) fazer reflectir.

De acordo com aquilo que os estudos actuais apontam, depois de atingidos os 65 anos, as pessoas tendem a viver cerca de outros 12 a 22 anos, com a França e o Japão a terem as esperanças médias de vida mais elevadas. Em terras nipónicas, uma em cada quatro são já pessoas idosas. O número de pessoas a viverem para além dos 80 anos está também claramente a aumentar.

Com uma população de pouco mais de 10 milhões de habitantes, e com cerca de 100 mil óbitos por ano, Portugal tem a 7.ª sociedade mais envelhecida do mundo, num patamar conjunto com a Dinamarca, Alemanha e França. A este ritmo, estima-se que, no ano de 2050, esta taxa tenha aumentado em cerca de 40%, sendo Portugal, por essa altura, o segundo país mais envelhecido do mundo (!), apenas atrás do Japão!

Também num pendor crescente, mais pessoas têm morrido com doenças crónicas e passíveis de terem sofrimento, como as patologias cardíacas, respiratórias, cerebrovasculares e o cancro.

Uma pessoa portadora de uma doença deste tipo (note-se o evitar propositado do termo “doente”) necessita de uma abordagem também ela complexa e intensa, não só pela dependência consequente, mas também pela correlação que existe de diferentes domínios por essa altura – seja de origem física, mas também psicológica, social e espiritual e que só a abordagem paliativa consegue chegar perto de responder.

Ainda assim, os cuidados paliativos enfrentam diversas barreiras à sua integração e reconhecimento como elemento fundamental de uma sociedade desenvolvida, seja pelo desconhecimento sobre o tema, o estigma a si associado (tanto pela população geral como pelos próprios outros profissionais de saúde), a referenciação tardia, a escassez deste tipo de serviços e a falta de médicos e enfermeiros (e outras áreas da saúde) com formação avançada especializada em cuidados à pessoa em situação paliativa.

Uma mudança significativa terá que inevitavelmente ocorrer, seja por imperativo legal, ético, deontológico ou até moral. Embora uma estratégia formal para com o desenvolvimento exista já, continua, ainda assim, a falhar no atingir dos seus objectivos, e onde o investimento financeiro parece perpetuar-se como sendo a causa principal. Questões como a formalização do estatuto do cuidador, a cooperação dentro do sistema (e não serviço) nacional de saúde, o estabelecimento de parcerias com outros sectores da sociedade, com organizações e associações sem fins lucrativos, mas com interesse no desenvolvimento sustentável de comunidades e sociedades melhores, podem ser algumas das soluções.

Que esta seja também uma preocupação de todos nós. Como conta uma história conhecida de um profissional a trabalhar em cuidados paliativos, este questionou uma vez uma pessoa doente: “Como é saber que está a morrer?”; ao que esta replicou: “E como é fingir de que não se está?”.

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