Maioria dos apoios ao biológico em Portugal vai para pastagens que não garantem produtos biológicos

Os subsídios são dados por hectare e não obrigam a que o produto final seja certificado, mas colocam o país mais próximo das metas da UE.

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Gado bovino a pastar Marco Duarte

A área agrícola biológica em Portugal está a crescer, tendo nos últimos dois anos passado de 322 mil hectares, ou seja, 9% da Superfície Agrícola Utilizada (SAU, num total de 3900 mil hectares) para perto dos 16% (637 mil hectares), se tivermos como base os dados das candidaturas do Pedido Único 2022 ao Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP), ainda não vertidos para os números oficiais. Esta área junta os regimes em conversão e os já certificados.

Segundo dados de 2020 da Direcção-geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural, cerca de dois terços da área agrícola biológica é ocupada por pastagens, que recebem os apoios financeiros para biológico, mas cujo resultado final não se traduz necessariamente num produto “bio" certificado. Ao contrário das culturas permanentes, as pastagens têm uma gestão mais fácil e com menos riscos de perdas de produção. Mas a questão levanta alguma polémica.

Isabel Dinis, agrónoma e responsável pelo projecto Divulgar Bio, questiona os apoios a pastagens quando “não somos capazes de produzir todos os hortícolas e frutícolas biológicos que consumimos” e temos de recorrer à importação para suprir as necessidades do mercado. “Fazer pastagens biológicas não tem grande ciência. O Alentejo está cheio de pastagens biológicas que não vão dar origem a carne biológica e que recebem o subsídio na mesma”, diz.

Está previsto no Plano Estratégico da Política Agrícola Comum para 2023-2027 (PEPAC, que carece ainda de aprovação formal) uma alteração nesse regime: os apoios passarão a ser atribuídos não apenas por hectare mas também por número de animais. Dar mais um passo e fazê-los depender da certificação do produto final levantaria outros problemas, porque são produtos que podem depois não ser procurados ou devidamente valorizados no mercado, explica Eduardo Diniz, director-geral do Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP) do Ministério da Agricultura e Alimentação.

Mesmo que a carne dos animais que utilizaram aquelas pastagens não seja vendida como biológica, o modo de produção “já tem vantagens do ponto de vista ambiental, na forma como se usam os recursos naturais”. E, dado que a SAU só tem 20% de culturas permanentes, sem as pastagens não seria possível aproximarmo-nos das metas europeias de 25% de área em regime biológico até 2030.

Nessa perspectiva, argumenta, é mais razoável apoiar agricultores que mantêm práticas exigentes do que obrigá-los ao processo que leva até um produto final certificado. Esse processo pode não ser vantajoso para eles em termos económicos, até porque “não são responsáveis pela transformação industrial nem a venda a retalho”, havendo o risco de os levar a abandonar o biológico.

Há, contudo, uma diferença entre o valor do apoio ao biológico previsto no PEPAC para, por exemplo, frutos frescos de regadio em regime de manutenção (927 euros por hectare na base, sendo que vai diminuindo com o aumento de área) enquanto as pastagens irão receber 97 euros por hectare mais 48 por cabeça de gado. Cálculos que, esclarece Eduardo Diniz, têm como base eventuais perdas de rendimento ou acréscimo de custos ligados aos diferentes tipos de produção. Apesar disso, a maior parte dos apoios acaba por ir para pastagens devido à dimensão que estas ocupam na SAU.

O responsável do GPP lembra que nas últimas décadas a SAU alterou-se, com as pastagens a passarem de 36% no recenseamento de 1999 para 52% em 2019. “A agricultura biológica”, diz, “pode contribuir para uma gestão activa destas áreas, contrariando o abandono” e, desejavelmente, no futuro aumentar a disponibilização de produtos biológicos se as condições do mercado se tornarem mais favoráveis a este tipo de oferta.