Luísa Amorim às voltas com o seu blanc de noirs

A propósito do lançamento do Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo Blanc de Noirs 2021, juntámos numa mesa outros quatro vinhos desta categoria e desafiámos Luísa Amorim a descobrir o copo com o seu vinho. Falhou, mas por pouco.

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Nesta rubrica, desafiamos um produtor/enólogo a encontrar o seu vinho numa prova cega com vinhos de perfil idêntico. Rui Gaudêncio

Luísa Amorim está no mundo do vinho como um encenador no universo teatral. Se este cria ou adapta o texto e supervisiona os actores, os cenários, o design, a iluminação ou o som, a empresária da Quinta Nova, Taboadella e Aldeia de Cima idealiza, propõe, orienta e gere com proximidade todas as fases de produção — do vinho ao enoturismo. O conceito, o perfil enológico em detalhe, o target, os estudos de mercado, o design das garrafas e dos rótulos, a concorrência, os canais de distribuição e a reacção dos consumidores, nada lhe escapa. Dir-se-á que, sendo CEO, nada disto deve espantar. Mas, em Portugal, ainda espanta, porque o que mais se ouve por cá, nas apresentações de vinhos, são donos de quintas com discursos destes: ‘O enólogo é que sabe disso’ ou ‘Isso foi uma ideia do enólogo’ ou ‘O nosso enólogo achou que fazia sentido redefinir o portefólio’. Claro que o facto de ter como enólogo principal Jorge Alves facilita-lhe a vida e de que maneira, até porque ambos adivinham o pensamento um do outro à distância, mas, num encontro com jornalistas, se alguém fizer uma pergunta técnica, tanto responde o enólogo como a dona dos projectos, que tem tudo na ponta da língua, fale-se de fermentações malolácticas, pH, clones, batonnâge ou o que for. Ela não aparece apenas para falar de finanças e estratégia.

De maneira que quando o Terroir lançou o desafio a Luísa Amorim, no lançamento da rubrica Qual é o meu copo?, para ver se, às cegas, identificaria o seu estreante Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo Blanc de Noirs 2021 no meio de outros blanc de noirs portugueses, confessamos que as nossas expectativas eram baixas. A mulher que tudo controla iria arriscar e, eventualmente, falhar no teste? Acontece que aceitou de imediato, sentou-se uns dias depois com a maior tranquilidade à mesa, cheirou, provou cinco blanc de noirs, comentou que se fartou, eliminou de imediato três deles e ficou a balançar entre dois, onde estava, de facto, o Quinta Nova. Na hora H... apontou para o Invisível, da Ervideira. Falhou, é certo, mas trata-se de uma falha aceitável, visto que os dois vinhos de 2021 têm um perfil semelhante e são feitos com a mesma casta: Tinta Roriz/Aragonês.

Presente na prova, Jorge Alves acertou no seu vinho, por reconhecer as notas de barrica que identificam sempre os vinhos da empresa. Desde a criação do Mirabilis Branco, muito estudado a partir da Borgonha, quase se pode dizer que há um perfil de madeira à Quinta Nova (há quem goste e há quem ache excessivo).

Antes de mais, um blanc de noirs é um vinho branco feito a partir de uvas tintas, conceito que foi popularizado na região de Champagne com a casta Pinot Noir, como vinho base para a segunda fermentação, mas que depois se popularizou em França como vinho tranquilo. Por cá nunca teve expressão que se visse. E, até ao momento, o único caso de sucesso que se conhece é o alentejano Invisível, da Ervideira, que, entre 2009 e 2021, já ultrapassou a marca das 600 mil garrafas.

A razão pela qual muitos produtores lançam blanc de noirs tem a ver com ausência de uvas brancas nas suas quintas para a produção de vinho branco — é o caso da Quinta Nova. Nessa altura, separam as películas corantes das uvas tintas e vinificam apenas o mosto (que na generalidade dos casos é de polpa branca) como se de uvas brancas se tratassem.

Temos de confessar que este tipo de vinhos nunca nos entusiasmou por aí além, pelo facto de, em novos, terem uma expressão aromática tão ténue que só com grande vontade se apanham notas florais ou frutadas ligeiras. Na boca (e até no nariz) parece que estamos perante um saquê e não um vinho. Agora, este exercício do Terroir com Luísa Amorim e Jorge Alves revelou um dado curioso, que de resto já tínhamos sentido em 2018, no decurso de uma vertical de Invisível: um blanc de noirs evolui bem em garrafa e torna-se interessante com o tempo.

Na prova estiveram o Pegos Claros 2018 (Castelão), o Peripécia 2016 (Pinot Noir) e o Ilha 2019 (Tinta Negra), o Invisível 2021 e o Quinta Nova 2021, ambos de Aragonês. Quando o Pegos Claros e o Ilha foram lançados, escrevemos, então, que os vinhos eram ténues do ponto de vista aromático, coisa que hoje sentimos no Quinta Nova e no Invisível de 2021. Mas, quer o Castelão quer o Ilha estão, agora, bastante interessantes na prova, com o primeiro a revelar notas florais invulgares (laranjeira e gardénia) e o segundo a ir pelo caminho dos cítricos e das ervas secas. E ambos com boca envolvente, bom equilíbrio de acidez, volume e álcool (baixo). Embora mais evoluído e com notas vegetais, o Peripécia também deu boa prova. Mais: nos três vinhos — com nuances cromáticas diferentes e que não identificariam a categoria — assinalaram-se notas finas de pastelaria. Donde, temos que concluir que, à semelhança do que acontece com brancos e tintos, continuamos a beber os vinhos cedo de mais. Uma tragédia.

Luísa Amorim eliminou logo três vinhos e na hora H escolheu o Invisível, da Ervideira. Rui Gaudêncio
Presente na prova, o enólogo Jorge Alves acertou, porque identificou as notas de barrica dos vinhos da empresa. Rui Gaudêncio
Os vinhos presentes na prova cega: Pegos Claros 2018 (Castelão), Peripécia 2016 (Pinot Noir), Ilha 2019 (Tinta Negra), Invisível 2021 e Quinta Nova 2021, ambos de Aragonês. Rui Gaudêncio
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Luísa Amorim eliminou logo três vinhos e na hora H escolheu o Invisível, da Ervideira. Rui Gaudêncio

Atenta aos detalhes, Luísa Amorim observou que os vinhos presentes na prova resultavam de “castas com perfis rústicos, o que não deixa de ser interessante quando estes blanc de noirs novos são elegantes e suaves”. E, em sua opinião, “indicados para um jantar festivo à volta de comida asiática”.

Sempre que lança um vinho estratégico, as equipas das quintas do universo Amorim provam o que melhor se faz no mundo nessa categoria e depois desenham uma imagem de marca ao mais ínfimo detalhe. “O vinho é uma experiência que vai além do líquido em si. Gostemos ou não, os consumidores não compram uma garrafa só por causa do que está no seu interior. Beber um vinho obedece a uma coreografia própria.”

Num país com poucos hábitos de consumo de blanc de noirs pergunta-se à empresária se acha que a marca Quinta Nova fará a diferença nas vendas. A resposta é rápida: “Pode ajudar, admito, e, apesar de ser uma categoria desconhecida, a verdade é que terá dois anos para mostrar o que vale”. Dois anos? “Sim, é o que nos diz a experiência: dois anos.”

A gestão de Luís Amorim assenta num conjunto de conceitos coleccionados ao longo do tempo, sendo que o mais curioso é “o marketing da barriga”. Ela explica. “Podemos ter muitas teses e os jornalistas dizerem isto ou aquilo sobre um vinho, mas, no final, o que importa é só a empatia que o consumidor tem com a cultura da empresa ou com uma ou várias marcas dessa mesma empresa. O que conta é a decisão de compra.” E continua: “Quando, num restaurante, observo que numa determinada mesa foi pedida uma segunda garrafa da mesma marca, sorrio e sei que o sucesso está assegurado. E sabe porquê? Porque quem pede essa segunda garrafa não foi porque achou que o vinho era bom (vinhos bons não faltam), é porque achou que o vinho é mesmo muito bom. É diferente. E é por isso que ele vai falar desse vinho aos amigos. E a partir daqui é uma bola de neve. É isso que eu procuro para os meus vinhos – que numa noite, num jantar, se repitam duas garrafas da mesma marca, num mesmo grupo.”

Outra táctica da empresária é o posicionamento de preço em prateleira, que se aplica aos projectos recentes (Taboadella e Aldeia de Cima). Avaliamos com muito detalhe a nossa concorrência e, para cada categoria, posicionamo-nos com um preço ligeiramente inferior, mas aumentando a qualidade percebida do vinho pelo consumidor. Foi o que fizemos no Dão e no Alentejo. A partir de agora só temos de ser consistentes e persistentes.” Pergunta-se-lhe se esta é uma escola que vem da família. “Também, claro, mas, acima de tudo, vem das viagens, da observação atenta, do estudo e da sensibilidade para este negócio. É muito difícil ganhar dinheiro no mundo do vinho.”

Nome Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo Blanc de Noirs Reserva 2021

Produtor Herdade Aldeia de Cima

Castas Tinta Roriz

Região Douro

Grau alcoólico 13 por cento

Preço (euros) 16,99

Pontuação 90

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova As primeiras notas são da madeira e do estágio em borras de vinho branco, por forma a ganhar mais complexidade. Os aromas são contidos, mas levam-nos para algumas notas de zimbro, cedro e algum tropical. Na boca, bastante fino, algum vegetal e equilíbrio na relação acidez versus álcool. Deve ser revisitado daqui por dois ou três anos.

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